Opinião: E das sardinhadas em São Bento, ninguém fala?

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Queria hoje escrever sobre memórias de cheiros e sons, discorrer sobre o que nos interessa e nos desinteressa. Sim, de férias, quis alhear-me das politiquices habituais, mas, sobressaltada pelas hashtags do Ricardo e do Batáguas (#salvaoneto e #netodemouraécorno), de pouco valeu a boa intenção e lá ficou a gaveta das recordações, fechada, à espera de vez.
Volto, pois, às chalaças do costume, começando por este senhor – em minúsculas bastante pequenas, por sinal – Dr. Juiz, criatura ultrassensível, um autêntico vidrinho, que, sentindo-se afrontado, desfeiteado, escandalizado, insultado, magoado, ultrajado, vituperado, saltou para o banco dos Ofendidos, à espera de um juiz que não pactue com violência. É devoto da Justiça, o senhor Dr.!
Pois, indigne-se lá, senhor Dr., vá lá então ao Tribunal mostrar o dói-dói e, entretanto, em alto e bom som, releia as suas vergonhosas prosas que, no mínimo, em versão muito bondosa, desconsideraram umas quantas mulheres, agredidas, ameaçadas, esbofeteadas, esmurradas, espancadas, estupradas, sovadas, as pobres coitadas!
Escandalize-se lá, senhor Dr., com o palerma do juiz que não percebeu quão afrontadas, desfeiteadas, escandalizadas, insultadas, magoadas, ultrajadas, vituperadas, foram aquelas mulheres, em vez de se abespinhar com uns excrementos virtuais a caírem-lhe na cabeça.
Não se esqueça, senhor Dr., que aquelas desditosas mulheres precisaram de (muita) coragem para enfrentarem uma sociedade hipócrita que teima em não meter a colher em assuntos ‘de marido e mulher’ e o Tribunal, de quem não esperavam sermões e nem missas cantadas, mas antes veredictos, fundamentados e justos, que as pusessem a salvo dos seus agressores.
E, por isso, senhor Dr., espero que o Tribunal o homenageie e que lhe reze pela alma a si, numa homilia cheia de prédicas e mónitas, deixando estes ‘agressores’ à solta, capazes de repetirem as façanhas que tanto o ofenderam, sketches com cocós e hashtags com corninhos. E aí, senhor Dr., dê-se por feliz porque as armas destes malvados não fazem sangue, deixe-se de mariquices e aprecie o famoso veneno de vossa mercê.
E, já agora, críticos da senhora da Malveira, deixem-se, vocês, de mariquices também. Custam-nos bastante os milhões que a senhora arrecada num país cujo salário mínimo é uma indignidade, bem sei, mas é o preço do liberalismo reinante, por todos ungido. E custa-nos ainda mais que os políticos se verguem ao poder das audiências e cozinhem para o povinho, pois claro, mas a verdade é que o arroz de atum da Cristas e a cataplana de peixe do Costa hão-de ter deleitado muita gente, que, até agora, só se saciava, de anos a anos, com a carne assada dos comícios da terra.
Os tempos mudaram, os eleitores querem saber a quem dão o seu voto e os profissionais da política arranjaram-lhes novas ementas, menus de proximidade. Ora, a Cristina, mulher do povo, conhecedora dos seus gostos e paladares, serve-lhes o novo pitéu, uma espécie de ‘roupa velha’, restos regados com um farto fio de azeite e servidos quentinhos, que enchem o papo à populaça e põem a malta da política a lamber os beiços. Não lhes discuto os gostos, mas dispenso zurrapas requentadas em versão gourmet.
E, mariquices à parte (desculpem-me alguns amigos mais conservadores), estou-me a borrifar que desfilem todos pelas manhãs da SIC, pelas tardes da TVI, pelas noites da RTP ou pelos noticiários do CM. Do que eu não gosto, mesmo nada, é que eles se comportem em São Bento como se estivessem numa sardinhada, de cara besuntada pelo azeite que escorre da broa e olhos semicerrados pelo vinho que falta no copo.

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