Opinião – À Mesa com Portugal

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Mais do que as diferenças apaixonam-me as semelhanças. De um céu azul húmido do Minho viajamos até ao céu algarvio de um azul intenso e luminoso sempre com a certeza de que a mudança de paisagem e de clima revelam muitos pedaços de Portugal diferentes no comer, no cantar, no rezar, no trabalhar e no festejar. Contudo, é fascinante como na diversidade encontramos uma deliciosa unidade. Se o Algarve é mediterrânico onde a figueira e a amendoeira ainda hoje deixam memória pela importância dos seus frutos no receituário algarvio, lindo é perceber que na terra quente dos afluentes do Douro vamos encontrar a presença daquelas árvores de fruto numa relevância quase como um decalque da paisagem do sul. Tanta distância e, afinal, tanta proximidade.

Vem isto a propósito, não da Páscoa que se aproxima e que já nos faz pensar nas amêndoas, mas da paisagem deslumbrante das amendoeiras em flor, neste caso no Douro quente e solarengo. Para quem nunca viu é quase um pecado estar tão perto e nunca ter admirado tal espetáculo natural. Para quem já viu, é com pressa que o pensamento viaja até aquele Douro Superior e mata saudades dos amendoais e das pétalas a cobrir um chão que cheira a terra orvalhada. É a paz que lava a alma e nos leva a sentir a vida com a brevidade de uma pétala de uma amendoeira, linda mas breve.

Mas a história não fica por aqui, na paisagem que tanto nos faz respirar ofegantemente como nos faz suspirar, é preciso perceber o círculo perfeito. Se no Algarve, a presença mourisca nos deixou de herança um trabalhar fino e magistral do açúcar com a amêndoa que resultou numa doçaria de extraordinária perfeição, no Douro são as Amêndoas Cobertas de Torre de Moncorvo que nos fazem perceber que o povo sabe sempre fazer o melhor com aquilo que tem. No Algarve, os doces de amêndoa são sumptuosos, em Torre de Moncorvo surpreende a imagem mimosa das Amêndoas Cobertas.

Até parecem as flores das giestas que, pela Primavera, rebentam pelos caminhos. Pequenos pontinhos brancos, os chamados bicos, formam-se, por ação da calda de açúcar, num engenhoso remexer das amêndoas até as cobrirem totalmente. Em movimentos lentos e ritmados, são as amêndoas regadas pela calda tendo que ser imediatamente revolvidas para que aquela não se acumule sobre uma parte, mas que vá solidificando em forma de minúsculos pontos brancos. E o mais belo é ver as “cobrideiras” pacientemente a revolverem as amêndoas em bacias de cobre aquecidas por uma fonte de calor num gesto de “incompleto remar” nos dizeres locais. Nos dedos usam dedais de costura, dizem que para proteger e para ajudar os biquinhos. O certo é que tal pormenor faz com que não seja só o olhar, mas seja também o ouvir. É um marulhar que solta no encontro do metal dos dedais com as amêndoas que caem docemente sobre a bacia de cobre.

A singularidade desta amêndoa coberta levou ao reconhecimento da IGP e à sua proteção no âmbito nacional e comunitário. Já no que respeita à profissão de “cobrideira”, a mesma tem sido alvo de valorização pelas instituições locais de forma a não se perder o saber-fazer de todo o processo de produção, mas garantir a sua transmissão às gerações mais jovens.

Porque esta é uma história em forma de um círculo perfeito, termino como acabo, a falar dos amendoais cujas amêndoas, no Douro, assumem um reconhecimento DOP. Deliciosos são as designações das variedades. Parada, Casa Nova, José Dias, Dona Virtude, Bonita de São Brás, Boa Casta, Amêndoa de Um Grão. Quer-me parecer que este é um bom início para outras histórias…

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