Gostava que fosse claro
Que me revolta o tempo que medeia
Entre o crime e a cadeia,
O tempo que alguém fez longo
Entre o bandalho que vem de fato
E os factos inumeráveis
Que o tornaram candeia.
Eu sou a zanga do quotidiano,
O amargo da tenacidade que não se ergue,
Que não tem saída e desespera.
Eu endoideço do viver a máquina
À custa do sangue dos mortais.
Sim sou louco contra a cobrança infinita
Contra a destemperança com que se veste
O monstro público, a casa dos favores, a estrutura
Que devia proteger-nos e nos suga
Como lampreias gordas
E sanguessugas dinossauro.
Jorra a emoção entre os caídos
E cresce o desinteresse dos banais
Entre coutadas silvestres
Onde brotam as leis
Que perpetuam famílias fies.
Detesto fanáticos insultuosos e cegos
da cegueira escrava dos grupos e falanges.
Sou Alice no verão ardido, sem cor.
Peter Pan sem asas, doente.
Sou a mulher do pescador boiando morto
Do pedreiro tombado na falésia
A esposa do bêbado agressor.
Todas sem sindicato
Todas sem defesa consistente.
As obras faraónicas dos eleitos
Destruindo o sustento em jeitos e cunhas
Borrifando proventos em comédia.
Eu sou o pastor na revolta com os chacais.
Eu sou a surpresa das decisões venais,
A meretriz que é a conjuntura que tudo explica.
Pisam-se terrenos de inócuas narrativas
Onde o mostrengo se levanta
Construindo defesa violenta
E impuras leituras que aos olhos simples
Germinam na cama das demagogias.
Desigualdade, iliteracia, construção de mentira,
Futebol, Fado e Fátima em todos os canais.
Embala-se assim o menino hediondo
Baba Yaga e vampiro das democracias.
Diogo Cabrita escreve ao sábado, semanalmente