Opinião – “Regionalizar, isso sim”

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Na procura dos caminhos por que hão de seguir as vidas, e as respostas às suas vontades, às vezes acertam-se passos, outras vezes não. Na quarta-feira passada, na Assembleia Municipal de Coimbra, não se votou favoravelmente nenhum dos decretos-lei setoriais do chamado processo de transferência de competências para as autarquias locais, o da municipalização. O dia anunciou-se como histórico, mas não chegou tão longe. Deteve-se, afinal, na ilustração dos desencontros que o governo alimentou, adotando opções que são equívocos e parceiros que o deixaram desacompanhado. É que o poder só é ferramenta quando se alinha com o pulsar do mundo. Quando dele se distrai, depressa enferruja e quebra – tantas são as ilustrações disto mesmo, ocorridas em vida dos que se juntaram ali nos Paços do Concelho.
Da tribuna do Salão Nobre soaram vozes discordantes do plano traçado pelo governo português para a chamada descentralização neste país pequeno, mas desarrumado. Os braços de recusa que se levantaram nas votações exprimiam posições diversas, divergentes até, mas foram eles que, em conjunto (e não necessariamente juntos), juntaram Coimbra às perto de 80 autarquias que recusam a municipalização das funções do Estado.
Talvez agora haja espaço para discutir a regionalização, essa sim passo descentralizador caído em desgraça geral por culpa do infeliz argumento dos “tachos”. Talvez agora se perceba que o pequeno Portugal pode (e deve) dividir-se em mais pequenas porções, assim mesmo de apropriada dimensão para que se lhe conserve a unidade e se lhes perceba a diferença. Talvez agora se entenda que com a criação das regiões administrativas ganharemos um lugar mais de democracia, uma tribuna mais de confronto e acerto de diferenças, de encontro de necessidades, de dissipação de fronteiras.
O que está em cima da mesa não é uma novidade. Há mais de três décadas, em alguns países da América Latina, decidiu-se municipalizar as funções do Estado. A experiência foi um “êxito” (visto do “lado de lá”): no reconhecido laboratório do neoliberalismo os financiamentos tardavam, os meios técnicos não existiam, os quadros escasseavam, o povo reclamava. Incapazes de atender a tão magnos trabalhos, em ambiente de carência de meios, os municípios depressa recorreram a estruturas que dispusessem da tal escala que permitisse resolver os problemas que “em pequeno” não tinham remédio. A experiência foi um “êxito”: num ápice se transferiu para as mãos de privados a função e o património do que, ainda há pouco, era Estado (a única empresa de que todos somos acionistas). O problema é que o povo nunca mais teve oportunidade de votar políticas – o conselho de administração de uma empresa não é, naturalmente, um círculo eleitoral. Nem nunca mais o povo teve chance de reivindicar o absolutamente necessário quando o princípio criador é o lucrativo. Sem Estado deixou de haver proximidade.
Na passada quarta-feira, se qualquer coisa de histórico aconteceu na Assembleia de Coimbra foi o avivar da esperança – a de evitar que o mau exemplo municipalizador das AEC e dos refeitórios escolares se estenda a esferas essenciais da vida de todos nós.
Está na hora de caminhar em frente: seguir pela Regionalização é, afinal, ir ao encontro da outra metade do Poder Local Democrático.

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