Sabemos pouco do que vai por esse mundo fora. É natural. Mesmo que da carteira nos jorrassem, abundantes, os dinheiros com que se compram as viagens para muito longe, não chegariam as horas da vida inteira para que, nos lugares onde nascem as notícias, pudéssemos tomar conta do que por ali acontece. Sendo pouca a sabedoria, são, porém, abundantes as certezas, matéria de é feita essa gigantesca máquina de vereditos a que foi dado o nome de “opinião pública”. A “opinião pública” é uma espécie de razão global, um rotulador eficaz que liberta os humanos do incómodo da reflexão sobre a sua vida e a vida dos outros. Na construção da “opinião pública”, a conclusão acontece no momento em que nasce o facto. Dispensam-se as minudências do processo… A “opinião pública” é o cão de Pavlov, que responde sempre do mesmo modo às sinetas que, todos os dias todos, tilintam das redações das Reuters e das Associated Press.
Em tempos muito idos ( os de 1980 ) fiz 12 vezes, em seis anos, o percurso ferroviário Moscovo-Coimbra-Moscovo por razões da minha vida. Era o tempo da Guerra Fria e da chamada Cortina de Ferro, tempo duro de confrontação de mundos e de debate de convicções instalados (também) nas conversas de viagem. Mas jovens são jovens! – breves instantes após o primeiro “olá” (qualquer que fosse o idioma da saudação), partilhando compartimento nos comboios das europas, depressa estávamos a trocar moradas. “De onde vens” era a pergunta óbvia entre viajantes de linguajares diferentes e a minha resposta “de Moscovo” era, naturalmente, a que dava azo às maiores curiosidades. Consciente da desconfiança da “opinião pública” viajante relativamente à terra que era a minha, trazia normalmente comigo chocolates da fábrica “Krassny Oktyabr” de Moscovo, daqueles com laranja e groselha cristalizadas, embrulhados num papel ilustrado com uma das torres do Kremlin. Todos queriam provar o chocolate. Arriscaria dizer que, naqueles tempos de cerco mediático à URSS, faziam mais mossa na “convicção” anticomunista os meus chocolates soviéticos do que os mil argumentos apologéticos que tinha (e mantenho) acerca do socialismo. Num instante, a URSS dos filmes-americanos-do-ódio passava a ter sabor a chocolate do bom, abrindo os sentidos para o discernimento que estava vedado à razão, entupida por toneladas de propaganda destinada, afinal e só, a perpetuar a tal velha exploração do homem pelo homem.
Pouco, ainda, nos é permitido provar os sabores do mundo. Nestes dias em que a Venezuela é relegada para os equívocos da História, atentemos naquele início de caminho, no virar do século com Chavez, em que os milhões de desgraçados dos bairros de lata de Caracas tiveram a primeira visita de um médico, o acesso às primeiras letras, o horizonte de uma casa de tijolo e telhas. Mas se isso não for o mais importante, se o bem-estar do povo for apenas um pormenor neste jogo de adjetivações, atente-se nos resultados que elegeram os presidentes da Venezuela insultada e do poderoso vizinho do norte: 68% dos votos dos eleitores da Venezuela no “ditador” Maduro, 46% em Trump, num “exemplar” sistema eleitoral em que Hillary Clinton obteve mais 2,9 milhões de votos do que o seu rival.
Dizia Joseph Goebbels que “uma mentira mil vezes repetida transforma-se numa verdade”. Neste caso bastará um pouco de atenção – e não acreditar em tudo o que por aí se diz.