Nasceu em França, no ano de 1944. Em setembro de 2019 irá completar 75 anos de idade. Gilles Lipovetsky é um dos mais famosos filósofos e sociólogos franceses da atualidade. Viveu o “Maio de 68”, com tudo o que essa época significou. As suas principais influências são Alexis de Toqueville ( 1805-1859 ) e Karl Marx ( 1818-1883 ), dois filósofos e pensadores políticos, na sua diversidade. É autor de uma vasta obra, dedicando-se essencialmente à análise do rumo e das transformações que vão ocorrendo nas sociedades contemporâneas. Considera que é o Capitalismo que nos comanda. Dedica o seu tempo a fazer algo que hoje caiu muito em desuso. Pensar.
No dia 18 de janeiro de 2019 esteve em Coimbra, onde proferiu uma conferência, na Coimbra Business School, perante uma assistência rendida às suas palavras. Um auditório repleto e ávido dos seus pensamentos. Durante cerca de duas horas explanou as suas ideias, com uma vivacidade e uma eloquência verdadeiramente cativantes. Falou em francês, língua cuja aprendizagem tem sido descurada, em Portugal e no mundo. Caiu em desuso. O que nos deixa a pensar.
O tema da conferência foi “La Société d’hyperconsommation: Sommes-nous plus heureux?”
Gilles Lipovetsky falou dos trinta gloriosos anos a seguir à Segunda Guerra Mundial, “Les Trente Glorieuses ( 1945-1973 )”, três décadas de assinaláveis progressos políticos, económicos e sociais, sobretudo no mundo ocidental, também caracterizadas pelo desenvolvimento da sociedade de consumo, situação que só se verificaria, em Portugal, após 1974.
Na opinião de Lipovetsky, a sociedade de consumo evoluiu para uma sociedade de hiperconsumo, fase de desenvolvimento em que boa parte da humanidade se encontra, em 2019. Atualmente, numa sociedade capitalista dominante e dominada pelo capitalismo financeiro, os consumidores transformaram-se em hiperconsumidores. De algum modo, de forma mais consciente ou mais inconsciente, o desiderato da nossa existência parece estar unicamente dirigido para o hiperconsumo. A sociedade parece querer condicionar o ser humano para a necessidade de acumular cada vez mais riqueza, que possa ser transformada numa progressiva, infinita e constante aquisição de bens, em última análise condicionando toda a nossa existência.
Esta sociedade de hiperconsumo baseia-se em cinco características primordiais. Em primeiro lugar, a oferta crescente e imparável de produtos e mais produtos. Hoje existem centenas de modelos de sapatilhas, milhares de séries televisivas, centenas de canais de televisão, centenas de modelos de automóveis, milhões de temas musicais, milhões de livros, sendo que é praticamente impossível consumir tudo o que nos oferecem, apesar da publicidade e do modo de vida que nos é imposto procurar potencializar ao máximo, o hiperconsumidor desorientado e dominado por uma dificuldade crescente em conseguir selecionar as ofertas.
Gilles Lipovetsky considera que hoje já não consumimos produtos mas consumimos marcas, tendo sido criada a ideia de que tudo está ao alcance de todos. O Natal, será um bom exemplo de festa do hiperconsumo, numa orgia de compras que abafa completamente o que deveria ser uma festa espiritual.
A segunda característica desta nova sociedade é a lógica da hiperindividualização do consumo. Todos têm que ter tudo. Numa família, cada um tem a sua televisão, o seu telemóvel, a sua máquina fotográfica, o seu computador, o seu automóvel.
Em terceiro lugar, o poder simbólico das marcas é dominante dos comportamentos. Compramos marcas, não compramos produtos. O sucesso mundial das marcas de luxo é uma evidência.
Compra-se para melhorar a própria imagem social e quanto mais caro, mais a sociedade valoriza. Comprar para se autovalorizar, para ser apreciado, para causar impacto ou inveja, para ser valorizado pelos outros. Este será o quarto fator dominante.
Por último, Lipovetsky realça as transformações que a internet provocou nos hábitos do hiperconsumidor. Agora podemos comprar tudo, em todo o lado, a qualquer hora, por impulso, sem dificuldades e com desconto. O consumidor multicanal também já perdeu as noções de espaço e de tempo.
A questão final que o filósofo nos coloca é se seremos mais felizes por consumirmos desta maneira tão intensa? Seremos mais felizes por adquirirmos tantos produtos?
Gilles Lipovetsky considera que o hiperconsumo não provoca felicidade.
A depressão, a solidão, o stress, a falta de tempo livre, são características que imperam nesta sociedade de hiperconsumo. O homem afasta-se de si próprio e dos outros, tal é a ânsia de acumular riqueza para em seguida acumular produtos, perdendo a saúde para depois poder adquirir serviços para a tentar recuperar.
Na opinião de Lipovetsky, o dinheiro não dá felicidade mas pode ajudar, sobretudo junto dos mais desfavorecidos e dos que vivem com mais dificuldades económicas. No entanto, à medida que o poder de compra aumenta e a partir de determinado nível económico, há estudos científicos que comprovam, que ter ainda mais dinheiro não implica alcançar ainda mais felicidade.
O hiperconsumo empobrece a existência humana, desvia-nos do nosso ser e do convívio com os outros. O hiperconsumo não deve ser o nosso objetivo de vida. As marcas e as modas não são a essência da vida, ao contrário da arte, da cultura, do amor, da solidariedade, do teatro, da música, das preocupações ambientais, da amizade e do convívio.
Esta conferência foi organizada pela Coimbra Business School, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pela Alliance Française, com o patrocínio do Banco Santander e o apoio do Diário das Beiras. A todos deixamos um repto. O de organizar nova conferência, desta vez convidando Michel Onfray, outro prolífico filósofo francês.
2 Comments