Opinião: Democracia como ecossistema

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Ciclos curtos de produção intensiva de poder, pela conquista de votos, podem conduzir à desertificação acelerada de uma comunidade, que fica assim à mercê de tudo e de qualquer tempestade “regeneradora”?

Como compatibilizar o exercício legítimo do poder com a manutenção e o fomento de altos níveis de biodiversidade politica e das suas formas de expressão, mesmo aquelas que se afiguram mutantes e, como tal, parecem à primeira vista disparatadas?

O filão de comparação entre as ciências da vida e a ciência política é apaixonante e nunca deixará de me atrair.

Se os sistemas de mera alternância de poder não estão, comprovadamente, a garantir a desejada biodiversidade de opiniões, organizações, movimentos que as exprimam (vejam-se, um após outro, os países europeus), então, a médio e longo prazo todo o “sub-bosque”, privado da luz, definhará, secará e o fogo fará o seu trabalho populista de raiva ao sistema e de ódio a todos os que consiga apontar como culpados.

Dito de outra maneira: não existirá um bem maior, que é o da participação do Povo, que deva sobrepor-se à humana vontade dos agentes políticos de conquistar e manter a todo o custo o Poder? Quando o “todo o custo” se arrisca a resultar na destruição do sistema democrático, como assegurar esse bem maior e interromper a deriva desertificadora?

Peguemos num caso de estudo, porque o conheço bem, assim como os leitores: a Cidade de Coimbra, sua governação e dinâmicas cívicas.
Primeiro, os factos.

1. Sentado na sala de reuniões da Câmara, aguardo há quase duas horas que seja dada a palavra a uma mulher que veio apresentar uma petição por melhores transportes para a zona onde vive. Sou parte interessada, pois ajudei a dinamizar a recolha de assinaturas. Tudo e todos, naquela sala, agem como se esta fosse apenas deles e dos funcionários que os apoiam. Não há uma voz que ouse lembrar ao Presidente que os cidadãos devem ser ouvidos à hora estipulada. Para todos é normal que o Povo aguarde sossegadinho. Quando finalmente a senhora usa da palavra, não há um incentivo, um gesto de apreço por ter vindo tratar de assunto que é da comunidade. Não é uma casa da democracia. É uma repartição.

2. Num registo bem diferente: o anfiteatro grande das Escolas de Enfermagem e de Tecnologias de Saúde acolhe um debate sobre a localização da nova maternidade de Coimbra, que rapidamente se estende ao conjunto de unidades de saúde da Cidade. Trocam argumentos deputados de três partidos, trabalhadores dos Covões e das maternidades, Presidente do Conselho de Administração do CHUC, médicos, cidadãos. Cruzando argumentos, críticas, explicações, exigências e calendários de possíveis soluções. À saída, atrevo-me a dizer que ninguém ganhou, mas ganhou o ecossistema da democracia.

Sim, eu sei, são dois apontamentos, escolhidos por mim para ilustrar a ideia de uma muito maior exigência na defesa da democracia como um sistema vivo. Deixá-lo ou não morrer é uma questão crucial da vida de cada um de nós.

Defenda o ecossistema. Previna o fogo.

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