Em dia de Nossa Senhora das Candeias há que frigir em azeite, nem que não seja, uma folha de oliveira, diziam os antigos. Já pelo Alentejo, território natural daquela árvore, era costume ouvir-se que “a oliveira dá-nos azeitona, a azeitona dá-nos azeite, o azeite dá-nos candeia, saúde no mal, gosto no prato”. Verdade.
O azeite antes de ser retratado como a glória luminosa que cai no nosso prato e que exprime alma nacional, era óleo respeitado pelas inúmeras utilizações desde a iluminação à botica. Por isso o respeito, por isso a veneração. Também por isso a expansão da oliveira. É verdade que esta árvore há muito se espraia no território português, sobretudo a sul cuja presença acontece antes da chegada dos romanos (já Estrabão fala dos olivais do Ribatejo), no entanto, a norte do Tejo a presença é mais recente e acontece pela ação da persistência, muitas vezes de uma engenharia humana dedicada a conseguir o impossível já que esta árvore não gosta de todos os solos, nem de todos os climas e, sobretudo, é sensível à altitude. A subida a norte no território é gradual sendo que é notório como a plantação de olivais pelas Beiras e em Trás-os-Montes obedece a um registo recente quando comparados com os olivais do sul.
Sempre me espantou como as oliveiras se seguravam em paisagens como as que admiramos quando passamos pelas margens do Rio Ocreza na Beira Baixa onde, pelo declive e pelo solo, aquelas árvores se parecem soltar a qualquer momento. Ficava perplexa pelo que levaria à plantação de olivais em locais tão difíceis. Até parecia que aquelas paisagens seriam apenas para a contemplação já que ter que apanhar as azeitonas em tão duras condições me parecia contra a dignidade humana. Não sabia eu que as oliveiras se acomodam bem a terrenos soltos, pedregosos, íngremes e difíceis. Hoje que é reconhecida a qualidade do azeite da Beira Baixa é fácil perceber que a qualidade dos produtos é memória e identidade que se constrói numa relação, nem sempre pacífica, entre a necessidade e a geografia.
No dia 2 de Fevereiro, celebramos o azeite, mas convém não esquecer a oliveira, árvore mítica sobre a qual Orlando Ribeiro escreve com doçura “com o tronco contorcido (…), com a folha miúda e prateada à luz do entardecer, na sombra protetora dos seus ramos simbólicos, a oliveira exprime, como nos tempos bíblicos, a rústica paz das almas e a fecundidade sagrada da terra.” Palavras cativantes que exprimem fascínio por uma árvore que representava fecundidade pela forma maravilhosa e múltipla como eram utilizados os seus frutos, as azeitonas. Para além de serem alimento tantas vezes presente num quotidiano de escassez, delas se fazia o milagroso azeite. Alumiava, curava, alimentava, limpava, conservava.
Hoje olhamos o azeite no prato e é moda gostar de azeite. Antes, o azeite era condimento da sobrevivência humana pela pluraridade de funções. Por isso, o povo se habituou a ser cuidadoso na sua utilização e, sobretudo, muito solícito no agradecimento da dádiva, seja da natureza, seja da divindade. Por isso no dia da Nossa Senhora das Candeias ilumine a noite com uma candeia de azeite e coma uma filhós frita em bom azeite e soletre baixinho “a folha da oliveira deitada no lume estala, assim é o meu coração, quando contigo não fala!”.