Opinião: Sócrates, o Frodo da Ericeira

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Espero ansiosamente o relato da existência de José Sócrates, a épica história de um rapaz criado no interior deste pacato país à beira-mar plantado e aqui garanto que acompanharei atentamente os vários capítulos do Frodo da Ericeira.

Desta feita, o nosso Zé, porventura farto da azáfama da capital, iniciou uma nova era e acomodou-se naquela vila piscatória, à procura do recato que convém ao mais célebre arguido da Operação Marquês (e não, como dizem as más-línguas, da mesma barcaça que levou el-rei D. Manuel II rumo ao exílio), onde vive da subvenção vitalícia que pediu em 2016, defronte do promissor Atlântico, numa casinha muito catita, com cinco solarengas assoalhadas, emprestada pelo tal primo muito querido, um velho conhecido de todos, leal companheiro do Zé (nos negócios e nos processos criminais, no bom e no mau como manda a boa tradição cristã), e que recebera recentemente o dito prédio de um empresário angolano como pagamento de uma dividazeca de meio milhão de euros.

Ora, os coscuvilheiros dos jornais puseram-se a caminho e lá foram saber desta nova temporada do Zé, que, afiançando-se vítima de uma cabala parida pelos malandros do Ministério Público e engordada pelos suspeitos do costume, os acusou de incómodos vários e de injustificada devassa da sua vida privada. Ao que parece, o sem-vergonha não reconhece o desgoverno em que deixou a nação e ainda não percebeu que está acusado de dezenas de crimes que terão lesado o país em muitos milhões de euros, nem percebeu que o primo também é arguido no mesmo processo, e também não percebeu que a sua privacidade, nestas circunstâncias, sofre grandes limitações, pois ninguém quer saber se o Zé prefere o peixe ou os bivalves da marisqueira da vila, mas interessa a todos a firmeza daquela amizade incondicional, só comparável à epopeica lealdade de Sam ao Frodo, na saga do Senhor dos Anéis.

Pois bem, tanto me faz que o retrato do Senhor Engenheiro resulte numa popular trama criminal, povoada de políticos permeáveis, banqueiros corruptos e os costumeiros testas-de-ferro, numa heróica narrativa do afecto dos primos e amigos que lhe saíram em sorte ou até numa paródia do ‘Dois Homens e Meio’, com o nosso Zé no papel do Alan Harper que se instalou em casa do irmão abastado durante mais de 10 anos. Mas, por favor, não transformem uma crónica tão rica num documentário político lúgubre e cinzentão, porque a desfaçatez do rapaz merece maior animação.

Verdade, verdadinha, é que até lá o Zé continuará a esfregar-nos na cara esta devoção absoluta, “tomem lá, que eu cá tenho amigos leais, disponíveis para satisfazer qualquer necessidade ou capricho de última hora. E a vocês, seus mal-amados, quem vos emprestará um apartamento de luxo em Paris ou uma casinha de férias? E, já agora, quem vos paga férias de sonho à la carte? E quem vos sustenta os filhos, as ex-mulheres e as ocasionais namoradas?”. Pois não, não temos quem…

Verdade, verdadinha, é que a sorte bafejou o nosso Zé, reservando-lhe os melhores amigos e a melhor família, mas é muito feio ele esfregar-nos esta dura realidade nas trombas, sem dó nem piedade, a nós, comuns mortais, que chamamos amigo a quem nos ampara nas dores ou connosco celebra os sucessos, e infectando-nos com o pecado capital da inveja por aquele pacote ‘tudo incluído’, com cama, mesa e roupa lavada, chauffeur e governanta.

Eu cá, confesso, contentava-me com os quadros que o Ivo Rosa lhe devolveu, matavam-me a inveja num ápice e alegravam-me as paredes da sala. Ou mesmo com a ‘Salomé’ que ainda por lá ficou, suficiente para me arrancar um sonoro “Porreiro, pá!”.

 

 

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