1. S. Martinho de Anta, terra natal
De Vila Real a S. Martinho de Anta, terra natal de Miguel Torga, são apenas 20 quilómetros. É um pulo!
Miguel Torga é um dos grandes nomes da literatura portuguesa e o expoente máximo da literatura e da cultura transmontana. Vir visitar esta Região, ainda por cima por motivos culturais ligados a Coimbra, como temos andado a fazer, e não ir a S. Martinho de Anta, é como ir a Roma e não ir ver o Papa!
Filho de família humilde, teve uma infância difícil que o marcou para sempre quer na maneira de estar na vida quer na maneira de escrever.
De nome próprio Adolfo Rocha tomou, como escritor, o pseudónimo de Miguel (por homenagem a Miguel Cervantes e Miguel de Unamuno, dois nomes grandes da literatura ibérica) e Torga (uma planta brava da montanha da sua infância com um caule incrivelmente rectilíneo).
2. A sua relação dúbia com Coimbra
Com vinte anos veio para Coimbra onde se licenciou em Medicina, onde ficou para toda a vida e onde viveu uma vida intensa.
Em Coimbra, escreveu a maior parte da sua obra. Mais de 50 livros, de que se destacam o “Diário” e os “Contos da Montanha”.
Com Coimbra, pela sua forma de “ser” e de “estar”, mantinha uma relação dúbia. Por um lado, fruto da sua sensibilidade, era dela um amante eterno e apaixonado. Inspirava-o o seu ambiente calmo, doce e terno. Enfeitiçava-o o seu encanto e beleza. E desabafava: “Coimbra é isto. Corro o Mundo inteiro, mas venho sempre aqui dormir”.
Por outro lado, o seu espírito crítico apontava-lhe a imobilidade e o estatismo da sua Universidade, o acomodar dos seus “lentes” e poderosos, a defesa iníqua do “status quo” dos que a controlavam, sequestravam, aprisionavam e nela mandavam, impedindo seu integral e saudável desenvolvimento.
3. A Escola Primária do escritor
Começámos a nossa visita pela Escola Primária onde andou até aos 10 anos. Miguel Torga vinha aqui com frequência e deixou-nos um poema, “Regresso”, que estando afixado na entrada da Escola começa assim: “Regresso às fragas donde me roubaram / à minha serra, minha dura infância / Como os rijos carvalhos me acenaram / Mal eu surgi, cansado, na distância”.
Uma Escola típica do Estado Novo que fecharam há anos (falta de crianças, economias de escala?). A população barafustou, o Poder local e central tiveram que se “mexer” e hoje é Escola Pré-Primária. Um espaço singular onde as crianças entre jogos, brincadeiras e conhecimentos básicos desenvolvem as suas capacidades, imaginação, criatividade e socialização.
4. Homenagem ao Negrilho, sua fonte de inspiração
No Largo principal, umas centenas de metros à frente, os restos de árvore imponente, que Torga considerou ser a sua musa e único poeta da sua terra. E se inspirou para escrever o poema “A um Negrilho”: “Na terra onde nasci há um só poeta / os meus versos são folhas dos seus ramos / Quando chego de longe e conversamos / É ele que me revela o Mundo visitado”
Neste poema, Torga faz transparecer uma espécie de identificação, cumplicidade, dependência, inspiração que o tornam de uma beleza e transcendência excepcionais.
5. O local mágico da Senhora da Azinheira
Subimos, serra acima, até à Capela da Senhora da Azinheira, que assinala, na tradição popular, a aparição de Nossa Senhora a um pastor.
“Vejo a Senhora da Azinheira a branquejar no alto da serra, oiço o sino a badalar, sabe-me a boca a tabafeira, cheira-me a rosmaninho”.
Olho em volta, ao redor, no horizonte. Para Torga, um lugar santificado. Nele confluíam os olhares piedosos de 5 santos: S Leonardo da Galafura / S. Salvador do Mundo / S. Domingos de Provesende / S. Domingos de Vilela / Senhora da Guia de Abaças. Que roteiro magnífico!
Sentámo-nos à sombra no adro, no local em que Torga situa o seu belo conto de Natal, incluído no livro “Contos da Montanha”, que vos aconselho a ler (ou a reler) agora que estamos no Natal.