Opinião: A Conquista do Inútil

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Werner Herzog é alemão. Nasceu em 1942. É um dos mais famosos cineastas alemães, tal como Werner Fassbinder, Margarethe von Trotta, Volker Schlöndorff ou Wim Wenders. Entre 1979 e 1981 esteve na Amazónia profunda, algures entre o Brasil, o Peru e o Equador. Aí realizou um famoso, atribulado e premiado filme.

No Festival de Cannes de 1982, recebeu o prémio de melhor realizador. Este filme é um mito na história do cinema. Sem Mick Jagger, dos Rolling Stones, que estava para participar mas afinal não participou. Com Klaus Kinski ( 1926-1991 ), pai da atriz Nastassja Kinski, nascida em 1961, protagonista do inesquecível filme “Paris Texas”, juntamente com Harry Dean Stanton ( 1926-2017 ), de Wim Wenders, em 1984.

Herzog, na selva amazónica, para filmar, no local, sem cenários nem truques cinematográficos, durante dois anos. Projeto megalómano de consequências imprevisíveis. Durante a rodagem foram-se sucedendo as situações mais mirabolantes, algumas trágicas, atores que abandonaram o projeto, investidores que não suportaram a ousadia e a despesa.
Uma Natureza poderosa e caprichosa que frequentemente se impunha, arruinando ideias, paisagens, equipamentos. Chuvas torrenciais, rios com correntes incontroláveis, doenças, mortes, feridos, canibais, prostitutas, traficantes, animais desconhecidos, alguns, durante a noite, substancialmente nojentos e rastejantes.

Discussões intermináveis entre a personalidade conturbada de Klaus Kinski e o realizador Werner Herzog. Centenas de indígenas a participarem no filme. Alguns chegaram a perguntar a Herzog se ele queria que eles matassem Kinski. Um filme dentro de outro filme. Uma aventura surrealista. Não há melhor ficção do que a realidade. Com a participação de Claudia Cardinale, dona de um bordel, no meio da lama e da selva. Amante de Klaus Kinski, no papel de Fitzcarraldo, o conquistador do inútil.

O argumento do filme reconstitui a história de um peruano abastado, depois falido, comerciante de borracha, Carlos Fermín Fitzcarrald ( 1862-1897 ) que comprou e decidiu explorar terrenos, na selva, que se encontravam isolados do rio que poderia transportar a produção, extraída das árvores-da-borracha, até à cidade mais próxima.

Para levar a bom porto esse seu, eventualmente, rentável mas megalómano empreendimento, necessitava de, com a ajuda de centenas de indígenas autóctones, derrubar uma parte da selva que ocupava duas grandes encostas de uma montanha e com a ajuda de uma máquina a vapor, roldanas, cordas e força humana, transportar um enorme navio a vapor de um rio para o outro, levando o barco, por terra, a subir uma encosta e depois a descer a outra encosta até ao outro rio, pelo meio da densa selva tropical, numa distância de muitas centenas de metros.

Ao longo desses dois anos, algures no meio da selva amazónica, em cabanas improvisadas, que não impediam a entrada das chuvas torrenciais e de bichos desconhecidos, de todos os tamanhos e feitios, Herzog, entre o tédio e o desespero, ia tomando notas relativamente ao que se ia passando nestas mirabolantes filmagens. A Humanidade sempre impotente perante a Natureza.

O diário de rodagem do filme “Fitzcarraldo” só seria publicado 24 anos mais tarde, na Alemanha, em 2004. Em Portugal, a publicação só se verificou em 2017. Werner Herzog, na introdução, diz que este livro não é bem um diário, antes “paisagens interiores nascidas do delírio da selva. Mas nem mesmo disto tenho a certeza”. Um livro singular relativo a um filme invulgar.

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