Opinião: Quanto pior melhor

Posted by
Spread the love

Na vida política poucas coisas superam o interesse que os cidadãos têm relativamente ao que lhes é mais próximo e mais influência tem na sua vida quotidiana. As eleições para as Juntas de Freguesia e para as Câmaras e Assembleias Municipais são, por isso, as escolhas democráticas mais significativas de uma comunidade. São as que mais mobilizam e as que maior envolvimento promovem entre candidatos e eleitores.

Vários estudos vêm demonstrando que, embora determinante, a influência partidária tem vindo a decrescer, salientando-se mais as características dos candidatos do que a cor da sua bandeira. Ainda assim, estou convicto de que as pessoas veem nos partidos pilares de um sistema que, não sendo perfeito, é bem melhor que qualquer outro. E, diga-se de passagem, a democracia não está feita, ela constrói-se todos os dias. Nesse sentido, é justo pensar que há sempre muito a fazer e que é legítimo que os cidadãos aspirem a que a democracia seja devolvida ao poder da cidadania. Isso obriga a que a qualidade democrática aumente, que a prestação de contas seja mais frequente e mais clara e que a fiscalização melhore. Mas para que tal ocorra, várias mudanças têm de acontecer. Desde logo no próprio sistema de governação. Senão, vejamos.

Como responsabilizar verdadeiramente os executivos municipais quando estes se deparam com amarras e forças de bloqueio através dos membros da oposição que muitas vezes, com calculismo partidário, procuram o “quanto pior melhor”? Reformulo: Um deputado da oposição que não está a tempo inteiro, que não tem como conhecer com profundidade os dossiês, que prefere votar sistematicamente contra, estará a cumprir o seu papel?

Acho que a imagem do vereador sem pelouros atribuídos é muitas vezes a de corpo presente, e as pessoas acham sempre que a (escassa) contrapartida financeira que aufere pelo cargo é mal gasta e será até nefasta.

Seria mais proficiente o modelo do executivo monocolor, composto apenas por elementos do partido mais votado. Mas para tal suceder, ter-se-ia de reforçar o papel da Assembleia Municipal, dar-lhe muito melhores condições e atribuindo-lhe o papel efetivo de fiscalização do executivo. No fundo, tal como acontece na relação entre o Governo e a Assembleia da República, mas a uma escala local

Se assim fosse, em época eleitoral, cada candidatura apresentar-se-ia com uma lista única municipal. Proporcionalmente à percentagem de votos, constituir-se-ia a Assembleia, vigorando com poderes reforçados. A que angariasse mais apoios formaria o executivo. Caberia ao primeiro elemento da lista ganhadora formar equipa de vereadores, podendo escolher de entre qualquer membro da Assembleia ou até, eventualmente, ir buscar pessoas à sociedade civil. Acabar-se-ia assim com a dificuldade de, apenas por ter figurado numa lista em lugar elegível, haver gente incapaz a tutelar pelouros que gerem milhões e que têm influência direta na vida dos cidadãos.

Bem sei que a transformação custa sempre, sobretudo quando tem esta extensão. Há quem ache que a nossa cultura política não está talhada para a mudança. Mas veja-se o bom resultado que deu a possibilidade de haver listas compostas por “independentes” que, a meu ver, proporcionaram que a cidadania se reencontrasse com a política, restituindo qualidade à democracia. Este modelo não resolve os problemas todos. Mas resolve alguns. E, em democracia, isso não é coisa pouca.

 

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.