1. Temos abordado nestes artigos, por variadas vezes, a questão da precariedade, quer no setor privado, quer na administração pública. E fazemo-lo porque, no dia a dia, convivemos com múltiplas situações dessa natureza e com as consequências que delas emanam para os trabalhadores, nos planos da realização pessoal, familiar e social, que são do senso comum. Não pode sentir-se plenamente realizado e planear a vida familiar quem não sabe se no dia seguinte tem emprego e um rendimento suficiente para não estar dependente de terceiros para a satisfação das suas necessidades elementares. Voltamos, hoje, ao tema por força das recentes declarações do primeiro – ministro António Costa, numa sua intervenção no Parlamento, aparentemente surpreendido com a diferença abismal entre o número de candidatos e os pareceres favoráveis emitidos pelas Comissões de Avaliação Bipartidas (CAB) até agora. Cremos, no entanto, que a primeira surpresa deve situar-se antes disso, com o tão diminuto número de requerimentos dos potenciais interessados, cerca de 33 500, quando inicialmente as estimativas de trabalhadores precários do Estado apontava para um número muitíssimo mais elevado, chegando a falar-se em aproximadamente 100 000. Onde estão os restantes? E porque há tão poucas situações reconhecidas? As razões são múltiplas, como habitualmente acontece. Uma das razões, muitas vezes invocada, prende-se com um alegado desconhecimento da efetiva realidade laboral do aparelho de Estado. O que é pouco consistente. Há outra que nos parece decisiva e que tem a ver com as armadilhas da própria lei, que levam à exclusão, à partida, de muitos trabalhadores indispensáveis à satisfação de necessidades permanentes do Estado, que sem eles não pode cumprir cabalmente as atribuições públicas que derivam da Constituição. A título de exemplo, veja-se o que aconteceu com muitos trabalhadores que se viram excluídos por alegada falta de habilitações, argumento que nunca antes foi considerado para a contratação precária dessas mesmas pessoas. Acresce a isto, de forma evidente, a própria composição e competências das CAB dominadas por ministérios como o das Finanças e do Trabalho, cuja vontade política é pouca para levar a cabo a regularização de precários que se impõe. Ou seja, se efetivamente o Governo pretende ultrapassar esta situação, que parece preocupar António Costa, é necessário que se deixe de apregoar boa – vontade para passar a remover, com eficácia e determinação, os obstáculos que têm impedido a concretização do programa anunciado, que devia ficar concluído até ao final do corrente ano e que já vai arrastar-se para 2019.
2. A greve dos trabalhadores da administração pública do final da semana passada teve uma elevada adesão em muitos setores de atividade do Estado. Esta greve, juntando sindicatos da CGTP e da UGT, mostra como é eficaz a ação comum, em torno de objetivos mobilizadores dos trabalhadores. A elevada adesão resultou da existência de grande descontentamento com as políticas do governo para o setor laboral do Estado, depois das elevadas expetativas de recuperação de rendimentos perdidos durante os anos da Troica e do Governo Passos Coelho. A teimosa persistência do Governo na disponibilização orçamental para 2019, de apenas 50M€ para os aumentos da função pública, depois de longos anos em que os trabalhadores perderam rendimento, é manifestamente insuficiente e injustificada. E prenuncia a continuação da luta, que se agudizará nos próximos tempos, e que o Governo não vai poder continuar a ignorar ou a fazer-se de vítima!
3. A ação sindical comum conseguida na Função Pública deve servir de exemplo às duas centrais sindicais ( CGTP e UGT) para o que é necessário fazer no setor privado, onde igualmente se justifica a mobilização dos trabalhadores em torno de dois aspetos centrais: primeiro, o da atualização de vencimentos que corresponda aos ganhos obtidos com o reconhecido ” bom desempenho da economia”, contribuindo para a melhoria do salário médio em Portugal, que tem vindo a aproximar-se cada vez mais do valor do salário mínimo, afastando-nos irremediavelmente da média europeia, que devia servir de padrão; segundo, o da melhoria das condições de trabalho que passa, em grande medida, pelo fim dos abusos resultantes da desregulação arbitrária da organização e do tempo de trabalho, com grave prejuízo para a conciliação com a vida pessoal e familiar dos trabalhadores. Tal, porém, só será conseguido se houver uma forte luta comum por uma efetiva negociação coletiva, único meio de conseguir aqueles objetivos.