Em cada 100 crianças, 97 são institucionalizadas e apenas 3 são colocadas em acolhimento familiar. É o que nos diz o Relatório de Avaliação da Actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, relativo a 2017, no qual se refere que o Acolhimento Familiar é a medida menos aplicada, representando menos de 3% do total das “medidas de colocação” ( 83 em 2971 ). Esta situação é verdadeiramente chocante e contrasta com as melhores práticas de todo o mundo desenvolvido, onde a percentagem de crianças em acolhimento familiar sobre aquelas que estão em acolhimento residencial se situa entre os 50% e os 90%.
Ainda há dias, um conjunto de especialistas do mundo inteiro reunidos em Congresso no nosso País (na EUSARF2018 ) indignou-se com a quantidade de crianças que Portugal tem a crescer em lares de infância e juventude, tendo declarado que Portugal está atrás do resto do mundo ocidental nesta matéria. “Os peritos falam em anomalia de Portugal na protecção de crianças” (cfr notícia do Jornal Público de 5 de Outubro, disponível em https://www.publico.pt/2018/10/05/sociedade/noticia/um-manifesto-a-exortar-governo-a-apostar-no-acolhimento-familiar-1846375 ).
Esta situação foi mesmo objecto de um manifesto subscrito pelos 700 especialistas ali presentes a exortar o Governo a apostar no acolhimento familiar, pedindo que se “corrija esta situação”, que se trate de “implementar urgentemente uma estratégia” para promover o acolhimento familiar profissional e o acolhimento em família alargada como o modelo preferencial para todas as crianças que se encontram à guarda do Estado.
Em Portugal, a legislação acolhe este entendimento determinando que a aplicação desta medida seja privilegiada sobre a do acolhimento residencial, em especial para crianças até aos seis anos de idade – cfr n.º 4 do artigo 46º da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo. Esta opção legislativa está em linha com as orientações internacionais (veja-se por exemplo a Recomendação da Comissão Europeia de 20 de Fevereiro de 2013, com o título “Investir nas crianças para quebrar o ciclo vicioso da desigualdade ( 2013/112/UE)”, que insta os Estados Membros a “pôr termo à multiplicação das instituições destinadas a crianças privadas de cuidados parentais, privilegiando soluções de qualidade no âmbito de estruturas de proximidade e junto de famílias de acolhimento, tendo em conta a voz das crianças”.
A falta de aposta no acolhimento familiar envergonha, pois, o nosso País, mas sobretudo representa um grave desinvestimento naquilo que a própria lei reconhece que deve ser uma resposta privilegiada na ponderação do superior interesse da criança.