O jornalista encontrou o ministro por acaso à saída de um restaurante.
– “Sr. Ministro, o semanário Expresso…”, disparou, salvo seja, o jornalista, sendo de imediato interrompido pelo Ministro.
– “Eu afirmo categoricamente, no tom mais categórico que me é possível, que não tive acesso a nenhuma informação categórica sobre o alegado encobrimento de Tancos. É categoricamente falso que tenha sido informado, pelo que, é com categórica indignação que lamento a informação que circula, a qual nego, categoricamente, e que só pode ter resultado de uma categórica violação do segredo de justiça. Para além disso, sendo uma categórica mentira, essa informação, que resulta de uma categórica violação da lei, é também um categórico mal-entendido relativo ao depoimento categórico do major Vasco”.
– “Mas…”, tentou dizer o jornalista, sendo de novo interrompido pelo Ministro.
– “Não há mas, nem meio mas, é uma mentira categórica”, gritou o Ministro.
– “Eu confirmo, categoricamente, que não detetei nenhum indício de encobrimento”, disse de rompante o tenente-general que acompanhava o Ministro. E acrescentou de rajada:
– “Se me perguntar se eu recebi o major e o responsável da polícia militar, eu respondo que sim”.
– “Se me perguntar se eu recebi um memorando entregue por eles, eu respondo que sim”.
– “Se me perguntar se eu telefonei ao Ministro em frente aos dois, eu respondo que sim”.
– “Mas por que razão não me pergunta o que disse ao Ministro? Você não pergunta, mas eu respondo. Disse ao Ministro que estava frio em Lisboa, ele estava de viagem, e que não via nada no memorando que indiciasse algum tipo de encobrimento sobre as armas que alegadamente desapareceram de Tancos e que depois foram, alegadamente, devolvidas, em quantidades alegadamente diferentes, e que, afinal, alegadamente, eram obsoletas (estavam fora de prazo)”.
O Ministro gritou com categórica indignação: “Quero dizer claramente, olhos nos olhos e de forma muito categórica. Isto é inaceitável. Não posso falar pelo tenente-general, nem por outros, mas isto é uma mentira categórica que resulta de violação da lei. Olhe… não comento declarações de pessoas que nem conheço. Não me aborreça mais. Com que direito é que me aborrece à saída de um restaurante? Eu tenho direito a uma vida privada, não acha?”
– “Mas, Sr. Ministro…”, tentou o jornalista, muito atrapalhado.
– “É categoricamente inaceitável”, gritava o Ministro.
– “Sr. Ministro, por favor…”, continuava o jornalista.
– “Não me aborreça! Vá pastar caracóis!”, gritou o Ministro acelerando o seu carro a alta velocidade.
O jornalista atónito vira-se para o tenente-general: “Mas que raio lhe deu?”.
– “Eh! Pá, vocês jornalistas são dose…”, respondeu o tenente-general.
– “Mas seu só ia fazer uma pergunta. E nem era sobre Tancos?”, lamentou o jornalista.
– “Não era sobre Tancos?”, disse o tenente-general de boca aberta. “Então era sobre o quê?”
– “Era sobre o CR7 e a menina de Las Vegas. O Expresso publicou uma notícia sobre um incidente que alegadamente aconteceu há 9 anos, do qual alegadamente resultaram danos, mas que ambas as partes, alegadamente, acordaram que não queriam falar mais no assunto, ou seja, encobriram o incidente em troca de dinheiro, e agora, alegadamente, uma das partes chegou à conclusão que o alegado encobrimento não era satisfatório e queria ver tudo esclarecido. Eu queria saber o que é que o Sr. Ministro achava de tudo isto, pois o meu jornal pediu-me para obter a opinião de figuras públicas”.
O tenente-general virou-lhe as costas e foi embora a abanar a cabeça. Tinha falado demais.