Recordo-me muitas vezes dum futebolista que jogou no Benfica entre 1990 e 1995. Chamava-se Isaías. Diziam os especialistas em futebol, que era um jogador polivalente. O Isaías jogava em qualquer posição do campo. Jogava onde fosse preciso! Era impressionante. É estranho, sei. Estou em 2018, não sou benfiquista e ainda me recordo vivamente do Isaías. E recordo-me dele porquê? Simples.
Recordo-me porque vejo aquela polivalência nos passeios da cidade e país onde vivo. É verdade! Os passeios são como o Isaías. Servem para tudo! Servem para colocar postes de electricidade e telecomunicações, caixas de gás, contentores, esplanadas, árvores, arbustos cortados ou por cortar e automóveis. Muitos automóveis! Os passeios servem para quase tudo menos para o propósito que, a meu ver, os fez existir: Os peões e a sua livre circulação em segurança.
Diariamente, na minha singela pele de cidadão ou até de profissional, dou por mim a ver stands de automóveis tranquila e impunemente estacionados em cima dos passeios. O que mais me incomoda, confesso, já nem é o acto irreflectido dos condutores nem os quatro piscas que ligam em jeito de descargo de consciência! Sim! Alguns condutores consideram que manter os quatro piscas ligados – independentemente do tempo que o automóvel está em cima do passeio – já é o suficiente para não incomodar ninguém ou até para serem salvos por Deus no Dia do Juízo Final.
Incomoda-me, e muito, a naturalidade que já se instituiu neste acto. Até algumas autoridades policiais já passam por este “estacionar no passeio” vendo-o como uma tradição tipicamente portuguesa. Um pouco como o bacalhau na consoada, julgo. Até atletas regulares (ou só dominicais) que se vangloriam de resultados alcançados em maratonas ou trails de centenas de quilómetros nas mais íngremes montanhas, pegam no carro, vão à padaria do seu bairro (que fica a 100 metros da porta de residência) e estacionam em cima do passeio.
“São só 5 minutos. Não incomodo ninguém.”, dizem eles. O problema é que esses “5 minutos” se multiplicam por centenas de pessoas que também compram lá o pão. E há muita gente a comer pão, caramba! Nesse dia, todo o dia, o passeio em frente à padaria transforma-se num concessionário auto. Este acto, irreflectido mas já tradicional, obriga o peão a circular pela estrada. Qualquer peão.
O deficiente visual, o monárquico, o deficiente motor, o capricórnio, o pai ou mãe com o bebé no carrinho, o sagitário, a idosa com o trolley de compras, o democrata, etc. Todos! Todos penhoram facilmente a sua segurança apenas porque são forçados a sair do passeio e a circular pela estrada onde também estão automóveis… mas em movimento.
“E onde estaciono o carro se não há lugar perto da padaria?”, perguntam os atletas/clientes. Talvez nos estacionamentos existentes a alguns metros de distância, arrisco propor. Ou até… Porque não ir a pé à padaria? Assim, podem ir treinando para a maratona e até exercitam a cidadania.