Opinião: Estômago, afetos e jazz

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A vida está cheia de divergências entre o mundo do ser e da aparência. Por vezes, a aparência parece ter pouco que ver com o mundo do ser. Há seis anos estava internado, envolto nos meandros de uma operação, e, na minha ala, um doente em bem pior estado gritava constantemente: “quero comer, quero comer”. Parecia que era todo estômago. Mas estava às portas da morte.

No mês pasado, a minha situação repetiu-se, voltei a encontrar-me num hospital, operado por uma cirurgia de risco. Novamente um companheiro de sala gritava. Desta feita, a frase era “ó Maria, ó Maria”. Os gritos saíam lancinantes, diria desesparados. Não era o estômago a comandar, sim os afetos.

Não desejo provar nada, nem tirar nenhuma conclusão definitiva, apenas que em determinadas circunstâncias de “aperto” os seres humanos recordam coisas diferentes. Sabemos bem que estamos todos num mundo que vai acabar. Mas é difícil aceitar o fim, facilmente. No entanto, apetece-me dizer, parafraseando alguém, ou deturpando-o talvez: “Quando morrermos, não há nada que chegue a uma boa música de jazz.

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