Opinião – Cuba

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Quando David carregou na funda a pedra que colheu num rio dali, Golias há de ter tido abundante vontade de rir. Dois metros de gente e uma espada de ferro não é grandeza que se despreze, sobretudo quando o volume do adversário não é de modo a aconselhar confrontos.

Mas nem sempre o que parece o é, pelo que, para a História e nas lições que dela se desprendem, coube a David passar aos vindouros a mensagem de que, nas coisas dos humanos, ser-se grande nunca é um dado adquirido. Havana era, até meados do século passado, o bordel dos Estados Unidos da América, abundante em servos e frutas tropicais, terra de clima ameno e gente amável, ainda por cima com queda para a música e para a dança (esta última em níveis de encanto a que, convenhamos, os descendentes das europas só chegam com muito esforço e dedicação – e, mesmo assim, sem qualquer garantia de sucesso à partida).

Inconformados com o destino de colónia de férias que lhes tinha sido atribuído, a História dá-nos conta de cubanos que decidiram que não tinha de ser assim. Um deles, chamado José Martí, deixou mesmo escrito que Cuba tinha tudo para poder ser livre, entre terra e gente, podendo dispensar totalmente o estatuto de colónia dos Estados Unidos da América. Da vontade à realidade decorreram décadas, mas conseguiu-se que Cuba viesse a ser um território livre de tutelas. Mas não tem sido fácil. No dia em que Cuba se declarou Socialista encontrou no país mais rico do mundo o seu principal e persistente inimigo, assim mesmo temente à funda cubana. Mas ser rico tem as suas vantagens: Golias levantou a espada e chamou-lhe Bloqueio Económico, procurando vencer pela fome aquilo que as armas não puderam impedir. Desde 1960 que os EUA vêm inventando leis para impedir a realização de negócios entre aquele Estado e Cuba, mas a cereja em cima do bolo surgiu em 1999, quando Bill Clinton ampliou o bloqueio comercial proibindo as relações comerciais entre fi liais estrangeiras de empresas norte-americanas e empresas cubanas, criando, assim, a primeira lei de aplicação universal.

Cuba foi resistindo – à Crise do Caribe, à peste suína africana, à invasão de Playa Giron. Quando desci do avião em Havana, no passado dia 14 de agosto, sabia já que não iria encontrar um país de analfabetos e miseráveis. Durante os quinze dias que pude viajar por Cuba – de Havana a Pinar del Rio, de Santa Clara a Trinidad – encontrei um país a viver a sua vida, naturalmente marcado pelas restrições do Bloqueio, “visível” na degradação dos imóveis e das estradas, precisados estas e aqueles dos materiais de construção que não são produzidos no País. Não encontrei nenhum traço de insegurança, visível a olho nu em qualquer dos restantes países da América Latina (e nos EUA). As crianças brincam nas ruas e revelam a vitalidade que é traço de quem tenha acesso à Educação e à Saúde. Notam-se as alterações positivas da introdução da pequena iniciativa privada; notam-se os traços negativos da eliminação ( nos anos de 1960 ) da pequena iniciativa privada, que passou para a mão do Estado responsabilidades económicas que não deveriam ter sido suas. Nota-se o desfrute, também por força dos calores de agosto, das ruas, das praças, das praias, de todos os lugares que são de toda a gente e que toda a gente usa. Fora de Havana mal se sente o peso do Turismo, a indústria com que Cuba teve de procurar contrariar o Bloqueio, geradora das virtudes e dos pecados a que estão associadas as atividades de ver o mundo. Nota-se a eficiência do sistema de saúde (a que recorri), presente em todas as localidades do território. Nestes tempos em que discute o projeto de Constituição de Cuba, o menos importante foi o que mais amplamente divulgado pela imprensa “ocidental” (a saída do termo Comunismo do texto). O mais importante é que mesmo um turista como eu dá conta de que as pessoas comuns dedicam o seu tempo e o seu entusiasmo à definição do seu destino. Há muito que não assistia – ainda por cima num contexto de tantas dificuldades e contradições – ao espetáculo da Esperança. Como no dia de David.

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