Opinião: A propósito da Procuradora-Geral da República

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Aproxima-se do seu fim o folhetim em torno da renovação ou não do mandato da Procuradora-Geral da República, que se iniciou, há meses, quando a Ministra da Justiça anunciou ser entendimento do governo que o mandato deveria ser único e, por isso, Joana Marques Vidal não seria reconduzida. Em minha opinião, a leitura que o Governo e o Presidente da República fazem do nº 3 do art. 220º da Constituição que estabelece “ O mandato do Procurador- Geral da República tem a duração de seis anos (…)” é a mais correta e a que melhor se coaduna com os princípios democráticos e de garantia da imparcialidade e isenção que devem estar subjacentes ao exercício de um cargo com a dimensão e responsabilidade do de PGR.

A possibilidade de recondução não pode servir, ainda que no plano do subconsciente, como guia da ação do respetivo titular. O que pode ser potenciado por se estar perante o exercício de um cargo não eletivo dependente da conjugação de vontades políticas conjunturais em razão de quem exerce o governo e a presidência da república. Por isso, em meu entender, o princípio do mandato único deve ser extensivo a todos os cargos de alta responsabilidade do Estado que não dependam de eleição popular direta. Aliás, o princípio do mandato único foi seguido no caso dos anteriores PGR. E o que se passou com o excecionalmente longo consulado do PGR Cunha Rodrigues devia constituir exemplo para o que nunca mais deve ser repetido.

Acontece que, a direita política e seus comentadores, viram na não renovação do mandato de Joana Marques Vidal um golpe maquiavélico perpetrado por quem está contra o combate à corrupção. Como se a atual PGR fosse única e insubstituível e depois dela fosse o caos! Conhecendo-se a sua prática política, a argumentação destes arautos da transparência e do combate à corrupção não passa de hipocrisia e oportunismo. Ao trazerem a questão para o plano partidário, usando Joana Marque Vidal para o efeito, como se a sua ação à frente da PGR fosse seu património exclusivo, acabaram por fazer uma grande injustiça à própria, que o não merecia.

Dito isto, sou de opinião que o mandato de Joana Marques Vidal foi globalmente positivo na medida em que permitiu o reforço e consolidão da estrutura do Ministério Público, bem como da sua ação no combate à grande criminalidade, designadamente à corrupção, que mina os alicerces do nosso Estado de Direito. O que é louvável e merece destaque. Mas isso não obsta a que se ressaltem os aspetos negativos. A violação sistemática do segredo de justiça agravou-se de forma nunca antes vista, sem que tenha havido uma ação determinada para a combater.

O circo mediático em torno da detenção ou prisão de suspeitos com impacto na comunidade, gerador de condições para a sua condenação sumária na praça pública, em violação dos direitos de personalidade dos visados e do princípio da presunção de inocência, não teve antes paralelo. E, neste caso, tal só pode resultar de fuga de informação interna do próprio Ministério Público ou das polícias de si dependentes. O que permite a identificação mais ou menos fácil dos prevaricadores. E não se venha dizer que isso é inevitável num mundo dominado pela comunicação. Não só não é inevitável, como tem de ser firmemente combatido, se se quiserem salvaguardar os princípios norteadores de um Estado de Direito Democrático.

Espera-se e deseja-se que a nova PGR Lucília Gago tenha sucesso na sua ação à frente do Ministério Público prosseguindo e aprofundando a luta contra a grande criminalidade, mas também na superação dos aspetos negativos que teimam em persistir e agravar. E se assim for, os cidadãos poderão estar mais confiantes na justiça.

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