Opinião: Fabricando pobres

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Há gente em Portugal e arredores que assobia para o lado quando lhe falam da criação deliberada da pobreza. Faz sempre ver que nada tem a ver com isso.

Nem sequer pensa como nos recorda Maria Filomena Mónica, citando Darwin em The Voyage of the Beagle que “Se a miséria dos pobres for causada não pelas leis da Natureza, mas pelas nossas instituições, grande é o nosso pecado.” Afirmando ainda que “Camilo era diferente da geração de jovens, que, uma década depois, chegaria à Universidade de Coimbra: não amava a Humanidade, não romantizava os pobrezinhos e não acreditava no Progresso.1”

Contudo, esquecemo-nos muitas vezes que a pobreza tem uma localização geográfica e, mais ainda, que as instituições usam o seu poder para definir os locais onde está deve ficar e até de onde deve ser erradicada. Não é por acaso que alguns ganham com as portagens e se discriminam negativamente as regiões do Interior. Fazem-no de forma absurda degradando-lhe também os acessos ferroviários. Outras vezes, com as privatizações, cortam-lhe bens essenciais como o acesso aos serviços de correio. Ou então, encerram-se serviços bancários, tal como está a acontecer com a Caixa Geral de Depósitos, e só por não ter havido no passado coragem de cortar com más práticas de gestão. Prejudicaram agora apenas os que ainda vivem junto a elas, levando-os a gastar mais quando forem às agências que sobraram. Antes, tudo fizeram como se alguns tivessem direito a corromper/perverter as boas normas, e sempre sem que ninguém os castigasse a tempo e horas. Dizem sempre que o processo penal é complicado. Mas mais complicada é a vida das populações prejudicadas.

Muitas populações do Interior vivem desde sempre enormes dificuldades de deslocação para acederem a bens de consumo do dia-a-dia, ainda mais dificultado após o sucessivo encerramento de pequenas mercearias de aldeia. Pior ainda, os vendedores ambulantes que percorrem os espaços rurais sofrem nas suas vendas o desaparecimento por desemprego ou morte dos seus clientes. E nas aldeias gasta-se pouco por as reformas serem escassas e escassa a oferta comercial. E com isso sofrem as vilas e cidades mais próximas, cujo comércio definha continuamente. Vemos.

Tudo ficou mais complicado no ano passado, quando Portugal mostrou como tinha criado muitas fragilidades, que logo se tornaram evidentes, na ocupação do seu território por espécies vegetais que ardiam mais facilmente. Foram anos de eucaliptização que ainda não acabaram por incúria de quem deteve e detém o poder. E a resposta deste foi apenas ameaçar com multas quem não limpasse os matos e terrenos florestais, não cuidando então se havia gente emigrada ou morta.

E isto nada tem a ver com as leis da Natureza.
Só tem a ver com a perversão das leis da boa governação, algo que a corrução e a incompetência dos gestores impõem como “coisa natural”, mas que não o é.

1 Maria Filomena Mónica – Os Pobres, A Esfera dos Livros, 2016, p. 166.

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