Amigos felizes porque se ferem toureiros devem ser os mesmos que fariam festas ao leão que comeu o tratador, ou amariam o elefante que pisou o funcionário do zoo, ou rejubilariam com o cão que mordeu a vizinha que o chateia com o pau. Mais vale o bicho que a criança ou a pessoa? Ou vale o mesmo?
Não podemos deixar esquecida a festa que surgiria do circo onde o tigre arrancou o braço ao seu domador. São momentos de uma cultura recente que transfigurou a lucidez do espaço dos animais e a primazia dos humanos. Conheço imensas pessoas que levam para a cama os de estimação. Os cães lambem o rabo uns dos outros, movem-se nas ervas atraindo pulgas, inevitavelmente encontrarão carraças e depositarão tudo nos lençóis lindíssimos que nos cobrem. Se não vão à rua, se não são passeados, terão menos encontros com parasitas e insectos mas são tão cativos como os bichos do circo. Mais amados? Nalguns casos serão!
Os cavalos de corrida só existem para esse fim, como os galgos de competição, como os touros bravos para a lide, como as galinhas de aviário para serem devoradas, como os patos da pasta de figado, como os caracóis para a panela, ou as lagostas suadas. Há uma barbaridade enorme por existirmos, como há uma poluição inerente à vida. Os seres humanos nasceram com caninos e por isso rasgam carne. A ofensa desta existência é uma negação da própria realidade de irmos buscar o ferro ao anel heme da hemoglobina da carne vermelha.
Substituir para estar em paz com os animais é negar a nossa existência como predador. E porque não? Podemos virar todos vegetarianos e poupar as galinhas e acabar com esse aspecto barbaro que são os churrascos pejados de pedaçõs de animais a ganharem sabor na brasa.
O peixe morre sempre sem ar -sufocado! Podemos criar laços legais com animais, casar com eles, dedicar-lhes fortunas e esquecer o conjunto enorme de problemas que os seres humanos têm: 1- A indecência da distribuição sem equidade, 2- A enormidade da demografia, 3- A falta de regras internacionais no exercício do poder, 4- A importância do fanatismo religioso em todos os quadrantes, 5- O excesso de poluição e as normas que a triplicam. 6- Os níveis pornográficos de incultura, 7- O excesso de transformações estéticas do organismo e a iatrogenia, 8- A obesidade, o excesso alimentar e o consumo de álcool. Os amigos que ficam felizes na colhida do toureiro ou na má sorte do pegador já estão no patamar do amor aos animais mas isso é uma blasfémia à luz de religiões maioritárias e o esquecimento de que as pessoas são fascinantes na sua idiossincrasia perversa, perigosa, conflituante, apaixonada, excessiva.
Onde quero chegar então? Quero dizer-vos que o animal na varanda a pisar suas fezes é má opção. Quero dizer-vos que preferir animais a pessoas é produto de desilusões e construções de cenários sobre dor. Beijar vacas, abraçar crocodilos, beijar cães na boca, idolatrar gatos, “amar animais” é uma novidade que estou a tentar perceber. Os animais não argumentam, não contradizem.
Os animais são pela rotina. Na natureza o sofrimento faz parte da biodiversidade e a morte é quase sempre cruel. Os humanos acrescentaram-lhe tortura, ganância, enriquecimento indevido, industria de matar, negócio com o “amor aos animais”. Os humanos fizeram isso uns aos outros também. Onde me situo então? Na resolução de problemas que acrescentaram argumentos excessivos a quem “ama” os animais. Na construção de regras que melhorem a vida, reduzam a gula, corrijam os sofrimentos todos, mas sobretudo os que amo: as pessoas.
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