Opinião: Esqueçam as narrativas, olhem para o que as pessoas fazem

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Aprendi com a vida a não prestar muita atenção ao que dizem as pessoas, ou melhor dizendo, a não valorizar em demasia aquilo que é dito e esperar, com paciência, para verificar a sinceridade desse discurso. Se isto é verdade em qualquer situação de vida, é particularmente verdade na intervenção pública e na política. Há uma gritante e insuportável falta de sinceridade no discurso político, transformando qualquer tipo de debate numa encenação que rapidamente se transforma numa interminável troca de acusações e a redução de tudo a um discurso simplista de “nós”, os bons, e “eles”, os maus.
Francisco Sá Carneiro (FSC) expressava esta ideia de forma exemplar numa frase que repetia muitas vezes e que ficou escrita numa entrevista que deu, em junho de 1974, ao Diário de Notícias: “Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das posições acima dos interesses pessoais, isto é a política que vale a pena. (…) Não há nada que pague a sinceridade na ação política, como em tudo”. Sendo FSC um social-democrata, é particularmente relevante que colocasse o foco na sinceridade e na capacidade de correr riscos, como forma de combate político e de manifestação inequívoca de posições políticas que precisavam de confronto e de debate para poderem mobilizar os portugueses naquilo que ele entendia ser essencial: a liberdade concreta, a igualdade e a dignidade de vida de todos os seus concidadãos. Na esperança de poder contribuir para construir o país que se desejava. Eu sei que eram períodos complexos, de grande transformação social e económica, mas não posso deixar de registar o paralelismo com os tempos que correm e salientar, com especial destaque, essa manifestação da importância da sinceridade e da capacidade de correr riscos.
Ora, o discurso político de hoje – num mundo de consumo rápido, politicamente correto, sem capacidade de debate, onde as causas civilizacionais e a reflexão estratégica estão afastadas das preocupações das lideranças e da população em geral – é, também por isso, muito pouco consistente e quase nada sincero. Consequentemente, aqueles que se preocupam com este estado de letargia e antecipam problemas sérios no futuro a curto e médio prazo, tendem a adotar esse posicionamento que é o de esperar que as boas intenções dos discursos se traduzam em ações continuadas, de forma a que se perceba da sinceridade e da capacidade de correr riscos do seu interlocutor.
Esta semana registei vários exemplos que permitem avaliar da sinceridade do discurso político e da tendência, que muitos avaliarão como muito competente do ponto de vista da gestão política de curto-prazo, mas que a mim, habituado a outra forma de estar na vida, me impressionam pela falta de sinceridade. Um deles foi o apagão no tempo de serviço dos professores.
O país fez grandes sacrifícios neste período de assistência financeira a que teve de recorrer pelo facto de ter entrado em pré-bancarrota em 2011. Acorreu, sem debate e sem ponderação, a resgates gigantescos a bancos que, ao contrário do que sempre afirmaram, afinal estavam em muito má situação. Nunca houve problema. Era necessário. Foram milhares de milhões para o BES, mais milhares de milhões para o Banif, mais milhares de milhões para a CGD, num total que já se aproxima dos 20 mil milhões de euros para resgatar e ajudar bancos. Nunca houve problema. Os portugueses compreenderam.
Mas quando os nossos maiores “unicórnios”, que são os professores, precisam que se lhes diga que os valorizamos, que estamos totalmente disponíveis para fazer justiça e creditar-lhes todo o serviço que prestaram (nem entendo como é sequer possível qualquer outra opção), já há problema e não há dinheiro. A importância do dinheiro é tão grande neste caso que, na volúpia comunicacional, nem se percebeu que não é de dinheiro que estamos a falar. É de estratégia, de reforma, de objetivos e de uma ideia de país. Um país pobre que faz tudo para continuar pobre. Sim, a sinceridade é muito importante.

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