Colecionar sabores é a nova moda. Já colecionámos visitas aos principais monumentos da arquitetura, já quisemos ter o gosto de visitar os destinos mais exóticos, as praias mais tranquilas e mais selvagens. Já experimentámos os locais onde a história se vive ao mais profundo antecedente do que somos.
Já quisemos ser cosmopolitas. Já quisemos ser rurais. Já quisemos emoções com viagens plenas de aventuras. Agora queremos experiências gastronómicas. Queremos ser colecionadores de sabores. Colecionar o sabor daqui, de acolá, do que é, hoje, tendência e inovação e daquilo que é memória e tradição. Queremos experimentar a especialidade e, às vezes, nem percebemos que aquilo a que, hoje, chamamos iguaria, outrora, era a arte e o engenho de enganar a fome.
Também não chega conhecer a especialidade, espécie de tesouro do receituário tradicional local. Há que conhecer todas as derivações que aconteceram no território ou no tempo. Os pequenos nadas que fazem a diferença entre o que é daqui e dali e que, por vezes, servem de justificação para uma delimitação absurda do território.
Como se à volta de uma aldeia, uma vila ou uma cidade se erigissem muros que impedissem a migração das receitas, dos produtos ou das ditas especialidades. Sempre soubemos ser cosmopolitas, sempre procurámos o exótico. A diferença é que, antes, o exótico estava nos antípodas. Hoje, está mesmo ao pé de nós. Antes era miséria, hoje é vontade de conhecimento.
Tal só é mau se não estivermos necessariamente atentos à força que a gastronomia tem no desenvolvimento do país, pois se por parte do público turista estrangeiro há essa vontade de colecionar sabores, o mesmo se verifica em relação aos nacionais. Nada de errado nesta tendência, por isso.
Devemos até ficar gratos aos deuses por esta procura da “singularidade gastronómica” transformada em exotismo capaz de mobilizar públicos de uma região para a outra. O errado será não nos precavermos e evitar uma exploração desmedida da galinha dos ovos de ouro.
Conhecemos verdadeiramente as nossas especialidades? Admitimos a sua contextualização no tempo e no espaço? Exigimos a sua cristalização no tempo e no espaço? Até que ponto estamos dispostos a conseguir a qualificação do receituário e dos produtos tradicionais? Queremos que esta procura não seja só uma tendência, mas que cresça de forma sustentada e permaneça no tempo.
Para tal, a moda da coleção de sabores deve ser cuidada, alimentada, deve-se fidelizar pelo estômago. Sabemos que é técnica infalível, que o digam todos os genros, maridos e demais que ficam reféns das receitas das matriarcas.
Mas tal só vai funcionar se soubermos tratar desveladamente a procura da gastronomia enquanto extensão fiel do território. Para isso, há que gostar do que foi o passado que deu origem à nossa gastronomia. Para isso há que gostar de nós. O Portugal gastronómico não é a imagem do que somos, mas uma consequência do que fomos.