“Maio as dá, Maio as leva”. Andamos um ano a salivar por elas e depois, de repente, em Maio, comemos até ficarmos enfartados, todos os dias são dias de comer favas. Numa luta contra o tempo, aproveitamos o serão para as descascarmos e para pensarmos como as vamos cozinhar no dia seguinte.
Guisadas ou cozidas? Com estrugido das carnes de porco ou com bacalhau? A pressa é tanta que, perante as reclamações dos mais novos “outra vez favas?”, se diz com convicção “é de aproveitar antes que fiquem rijas!”. Verdade, verdade, é que o tempo das favas é vivido como se não houvesse amanhã.
É certo que no mercado, as versões congeladas já nos permitem usufruir de uma receita de favas em qualquer altura do ano, mas para quem vive no campo, tal não faz sentido. Como provar as favas sem lhes sentir o cheiro a descascá-las? Ficamos com o polegar todo negro ao retirá-las das vagens, mas isso importa?
No desespero de quem sabe que o tempo as traz e o tempo as leva, procura-se não desperdiçar. A abundância leva à partilha, por isso, vai-se em corrupio a casa dos vizinhos entregar umas favinhas, chama-se à pressa os familiares a residir na cidade “venham cá que temos umas favas para vocês!”.
Mais do que alimentar, interessa celebrar a abundância na família, na vizinhança, nos laços de amizade. Se já é bom comer favas quando estas estão tenrinhas, melhor sabem quando saboreadas entre amigos à volta de uma boa conversa! Lá tinha razão Plutarco. Não nos sentamos para comer. Sentamo-nos para comermos juntos!
A verdade é que o desespero de se saber que o tempo passa rápido e que, em breve, estarão rijas e apenas boas para fazer puré para a sopa, leva à urgência de as saborear. Mas saborear em alegria. Saborear sabendo que somos uns sortudos por termos o Maio que, entre tantas outras coisas, nos abençoa com as favas.
Agora imaginem que tínhamos favas todo o ano. Será que as saboreávamos da mesma maneira? Será que provocávamos o encontro com a vizinhança, com os amigos, com a família com o pretexto da urgência que as favas justificam? Será que nos iam saber tão bem?
A sazonalidade não é boa somente porque os produtos são comidos com as qualidades organoléticas ideais. Na verdade, no alimento nem tudo e resume a um conjunto de propriedades nutricionais ou de qualidade. Às vezes, até dá para pensar que o mais importante é como aproveitamos essa urgência do tempo para provocar o encontro, a partilha, a troca.
Atrás da inexorável passagem do tempo, reduzido em horas, minutos, segundos que se traduzem em transformações irreversíveis na planta, está a verdadeira motivação. Estarmos juntos. Trocarmos alimentos aproximando-nos uns aos outros no laço sempre indestrutível da necessidade alimentar. Hoje eu, amanhã tu. Hoje recebo, amanhã dou.
O tempo é inexorável. Na maioria das vezes vamos esquecemos esse fato e, por isso, vamos adiando, adiando sem fim o encontro, a oportunidade de estarmos juntos. Achamos sempre que há tempo, que na semana seguinte, no mês seguinte vamos ter tempo para o encontro com a família, com os amigos, com os vizinhos.
Ainda bem que, perante a falta de discernimento dos humanos, as plantas nos lembram da urgência da vida e nos obrigam a marcar sem demora o encontro. Nem que seja para comer umas belas de umas favas, antes que fiquem rijas claro! Viva Maio e as favas que nos dá!