Opinião: Low cost

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O fim do correio nasce com o fim das cartas. Ninguém mais escreve cartas de amor. Há sempre excepções, mas as cartas e os postais reduziram-se mesmo. Hoje plasmam-se declarações nas redes sociais, coisas meio cabotinas, meio elegantes e algumas lindas de tão tolas. Quase tudo é kitsch. Escrever deixou de ser meio apropriado para transportar ideias e sentimentos.

Como sou velho ainda li aqueles começos infindáveis: “estimo que esta o vá encontrar de plena saúde bem como os seus…” que hoje vai toda para um: “Oh Pa! – que tempos!” A própria linguagem mudou de forma para incorporar trejeitos como tipo, ou adjectivos como bué e bacano. Ninguém começaria uma carta por “Bró” e depois escreveria com k os “que” e com “4u” o inglesismo de “para ti”. É uma nova dimensão que progride rumo às compras ultra rápidas na net, utilizando sistemas modernos e cada dia mais seguros de pagamentos e depois transportadoras onde o low cost é essencial e não se compadece com direitos de emprego nem com salários dignos.

A vida low cost é o sistema ryanair de percorrer o mundo, os hostel de ouvir ressonar quem não conheço, de partilhar quarto com quem nunca conversei. O mundo é este e não se pode querer alterar a realidade. Se queres viajar baratinho e comprar roupinhas ao preço da chuva, não podes exigir salários e complementos e compensações.

O serviço tem incluído os gastos e por essa razão há uma alteração violenta do mercado de emprego e do futuro das relações contratuais. Claro que as novas gerações, netos dos de Maio de 1968 vivem isto indiferentes aos avós que gritam na rua. O interessante e o paradoxo foi que a ideia dos avós de democratizar, tornar transversal o desejo das mordomias a todos teria de redundar neste processo. Agora eles que ainda têm vínculos e contratos colectivos e estão à beira de reformas interessantes não percebem porque não vão os netos para a luta.

Os netos estão nas redes sociais e encontraram novos mecanismos de viver e de comunicar. Há também uma construção de novos mecanismos de diversão e de encontro.

O sistema social está a mudar e a flexibilizar as relações, os vínculos de paternidade e de maternidade, a forma de educar, o modo de introduzir informação e o tipo de informação. Morrem Proust, Tolstoí, Robert Musil, Romain Rolland, em prol de livros de viagem, roteiros de cidades.

O dinheiro pequeno, a ausência de vínculos, as relações instáveis não rolam para vivências em casa para toda a vida, em lugares eternos onde se acumula obra e se lê demoradamente. Os colectores, os arquivistas vão tombando com os alfarrabistas, as livrarias e as discotecas. O meu conhecimento está na nuvem dizia-me um filho, a minha bagagem está toda lá através do telemóvel. Ups pensei eu.

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