Opinião: “Quem se veste de ruim pano, veste-se duas vezes ao ano?”

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“Adquiri a um banco a fracção de um imóvel que tinham tomado a um consumidor que deixou de lhe pagar as prestações do crédito contratado.

O imóvel começou a apresentar infiltrações de humidade de uma certa gravidade.

Procurei os responsáveis pelo banco que se negam a assumir qualquer responsabilidade porque, dizem, não são nem construtores nem promotores imobiliários. E que não lhes cabe qualquer responsabilidade pelo facto. Se puder, se quiser, que me vire contra o construtor”.

É de uma questão de garantias de bens de consumo que se trata.

No caso, de imóveis.

O argumento amiúde apresentado pelos bancos não é nem original nem singular.

Dizem todos sistematicamente a mesma coisa sempre que ocorrem situações do jaez desta.

A Lei das Garantias dos Bens de Consumo (Móveis e Imóveis) aplica-se não só à compra e venda, mas ainda a contratos de:

. empreitada

. outras prestações de serviço

. e locação (aluguer e arrendamento, consoante a natureza dos bens, se móveis, se imóveis, respectivamente).

Curiosamente, se bem que com parecer desfavorável de um professor de Coimbra, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 29 de Abril de 2014, cujo relator fora o Conselheiro Gabriel Martim Catarino, decretou que:

“I – É vendedor quem mediante a celebração de um contrato vende um bem de consumo a um consumidor final, no âmbito do exercício corrente de uma actividade que se caracterize ou possa ser definida num determinado contexto económico ou de relações comerciais.

II – Uma instituição de crédito que por efeito de dação em pagamento recebe do empreiteiro imóveis e, em seguida, os vende a particulares deve ser considerada como vendedora no âmbito da sua actividade profissional para efeitos de aplicação da Lei de Defesa do Consumidor.

III- Deste modo, tendo-se provado a existência de defeitos nos imóveis vendidos e não sendo ilidida a presunção de incumprimento dos contratos de compra e venda, é a instituição financeira obrigada a repará-los.”

Daí que pareça ser de imputar à instituição financeira a garantia, talqualmente se faria ao construtor, ao promotor imobiliário ou a outro qualquer vendedor.

Há uma iniciativa em curso no Parlamento, com a chancela da Deputada Fátima Ramos, com vista a que se crie um Fundo que responda pela garantia no decurso do período em que deva vigorar, em caso de insolvência ou de “desaparecimento” daquele a quem cumpre assegurá-la.

Se vingar, representará um enorme passo na protecção do consumidor-adquirente de um qualquer imóvel. Aliás, seria de bom tom (e de inteira justiça) que a garantia, que noutras paragens é de 10 anos, e, entre nós, de 5, passasse realmente para os 10 anos. Porque nada justifica que se ande uma vida, uma vida inteira a pagar uma casa e se tenha uma garantia com uma expressão tão insignificante.

Aliás, no projecto da Lei de Defesa do Consumidor de 1996, da iniciativa de um jovem socialista, o jurista João Paulo Simões de Almeida, constava o prazo de 10 anos. Vera Jardim, que presidia ao grupo parlamentar socialista, cortou para 5, favorecendo os construtores civis em detrimento dos consumidores.

Antigamente, ao comprador cumpriria acautelar-se nas compras porque não havia qualquer garantia (“quem se veste de ruim pano, veste-se duas vezes ao ano”, dizia o povo). Hoje, é ao vendedor que incumbe acautelar-se porque será responsabilizado se se propuser vender gato por lebre (“quem vender ruim pano, arca duas vezes com o dano”, dizemos nós!).

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