Opinião: E se Lesbos fosse no Algarve?

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Em Tebas, a uma hora de Atenas, vivem-se dias de espera sem esperança. Num campo dirigido pela Organização Internacional das Migrações, estão muitas centenas de refugiados. Gente, muita gente, que fugiu de infernos vários, que enfrentou a morte no mar durante a fuga à morte a que a metralha e as tiranias a haviam condenado e que sonhou que podia ser gente do outro lado do mar.

No Iraque eram médicos. No Afeganistão eram professoras. Na Eritreia eram pescadores. Na Síria estudavam Direito. As barbáries cortaram-lhes o fluxo da vida. Ousaram aspirar a retomá-lo na terra prometida da democracia, dos direitos humanos e da prosperidade – assim prometida, desde logo, pelos discursos dos líderes da dita terra – a Europa.

Mas todas as suas ilusões se esvaíram nas praias de Lesbos, em Bari ou em Lampedusa. A promessa transformou-se em acantonamento. O horizonte de uma vida digna foi substituído por uma pilotagem da sobrevivência. A expetativa deu lugar à resignação a uma existência pantanosa e totalmente determinada pelos humores eleitorais de políticos com toda a abertura para a xenofobia e nenhuma abertura para a solidariedade em ação. Em Tebas caminhei entre centenas de olhares vazios, centenas de vidas suspensas, centenas de negações do que lhes/me disseram ser a Europa.

Perguntámos à mulher iraquiana para onde sonhava ir. E ela respondeu que não tem sonhos, que vai para onde puder trabalhar. Era engenheira civil. Perguntámos ao jovem sírio se punha a hipótese de ir para Portugal. E ele respondeu que não tem preferência de destino, desde que lhe permitam continuar a estudar Direito.

Em Tebas fala-se de Portugal. Falam os jovens voluntários que nos campos de refugiados da Grécia aprendem o melhor e o pior da humanidade. Falam os visitantes que ali vão testemunhar que a Europa não é só hipocrisia e que há quem aqui ponha os direitos de todos à frente da estupidez de alguns.

Fosse assim verdade que, em Portugal, a prática do acolhimento corresponde ao discurso tão auto-elogioso sobre Portugal como país exemplar nesta matéria. Mas não há mesmo correspondência. Uma coisa não bate com a outra. O isolamento, a falta de meios para uma inserção escolar efetiva, os obstáculos no acesso aos serviços públicos essenciais, a descontinuidade entre o período de acolhimento financeiramente suportado por fundos europeus e o que vem a seguir e em que se joga a vida destas pessoas – tudo sinais de que o país tão contentinho consigo mesmo por acolher refugiados durante 18 meses é quase tão fantasiado como o humanismo europeu em Tebas.

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