A crise que se abateu sobre o país formou uma legião de vítimas inermes. O malparado no crédito à habitação disparou exponencialmente: desemprego, redução de proventos, ruptura dos laços familiares, tudo concorreu para um tal espectro. Um ror de gente perdeu casa, valores despendidos na compra e, ante a venda executiva por valor insuficiente, continuou a dever somas consideráveis à banca.
O novo regime do crédito hipotecário tem, entre outros objectivos, o de evitar que situações análogas ocorram: com o reforço da informação, a avaliação da solvabilidade do consumidor e a rigorosa avaliação dos imóveis…
O Parlamento Europeu, no preâmbulo da Directiva do crédito hipotecário, preveniu:
“A crise financeira mostrou que o comportamento irresponsável [das instituições de crédito] … pode minar os alicerces do sistema financeiro, provocando desconfiança entre todas as partes, em especial nos consumidores, com consequências sociais e económicas potencialmente graves. Muitos consumidores perderam a confiança no sector financeiro e têm cada vez mais dificuldade em reembolsar os seus empréstimos, daí resultando um aumento das situações de incumprimento e de venda coerciva do imóvel.”
E procurou ainda acautelar as desastrosas consequências a que se assistiu:
“Dadas as importantes consequências que a execução da hipoteca tem para… os consumidores … convém incentivar [as instituições de crédito] a tratar de forma proactiva o risco de crédito emergente logo de início e instituir as medidas necessárias para assegurar que ajam com razoável tolerância e envidem diligências razoáveis para resolver a situação por outros meios antes de intentarem um processo de execução hipotecária. Sempre que possível, deverão ser encontradas soluções que tenham em conta as circunstâncias concretas e as necessidades razoáveis para as despesas de subsistência do consumidor.”
A Lei do Crédito Hipotecário entrou em vigor, em Portugal, no pretérito 1.º de Janeiro em curso. Reforça as cautelas na concessão do crédito, impondo às instituições um acrescido dever de informar (e de esclarecer em pormenor os aspectos que possam escapar ao comum dos mortais) e um dever de assistência, que tem de ser meticulosamente cumprido.
Eis o que reza a lei:
À instituição cabe:
. Fornecer as informações pré-contratuais previstas na lei;
. Explicitar as características essenciais dos contratos de crédito propostos e de quaisquer serviços acessórios;
Na negociação do contrato, deve informar o consumidor da possibilidade de o sujeitar, por acordo expresso, às seguintes regras especiais:
. Ser apenas constituído seguro de vida do consumidor e de outros intervenientes no contrato de crédito e seguro sobre o imóvel, em reforço da garantia de hipoteca;
. Previsão expressa de que a venda executiva ou dação em cumprimento do imóvel na sequência de incumprimento do contrato de crédito, pelo consumidor, o exonera integralmente e extingue as respectivas obrigações no âmbito do contrato, independentemente do produto da venda executiva ou do valor atribuído ao imóvel para efeitos da dação em cumprimento ou negócio alternativo.
Por conseguinte, os efeitos perniciosos do anterior regime dos contratos parece evitarem-se se este dispositivo for escrupulosamente cumprido. Mas é indispensável que os consumidores tenham informação bastante para exigir, por seu turno, que a lei seja observada sem quaisquer omissões.
É que “da lei nos livros à lei em acção… pode distar um abismo”!