Opinião – Donas de Casa desesperadas

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A dona Belmira macerava a pachorra à sua amiga Floripes. Bom, amiga, salvo seja… as facadas nas costas atestavam o quão amigas elas eram… Mas tratando-se de assuntos do interesse de ambas, pareciam gémeas siamesas, com uma a oferecer bolachinhas de canela, outra a bater à porta com broinhas acabadas de fazer. Não há como um tacho comum para cozinhar perpétuas amizades. E entre as donas de casa com maior influência na paróquia não se pode olhar a esforços para conservar o poder.

Na boca da dona Belmira, a Gracinda era tudo menos santa. Mas temendo a sua língua carpideira, trataram de a convidar, pois na conjura seria sempre preferível tê-la a favor. As intrigas que decerto arranjaria eram motivo de sobra para inclui-la no grupo. Gracinda passou por isso a fazer parte daquele núcleo, agora com três pessoas que se encontravam amiúde e ficavam até desoras a expelir confidências, batendo com a mão no peito em juras de seriedade.

Nisto passou a dona Zulmira que, enfiando a cabeça no xaile, num som oco e lacónico desaferrolhou as boas tarde. Numa avidez sequiosa ainda procurou ao longo da rua deduzir nos timbres a conversa entre as três… mas de nada lhe valeu, pois as mulheres calaram-se até que Zulmira desaparecesse na curva do caminho. Quando as três mulheres se encaminharam para casa, já em passo apressado para o almoço, passaram por Zulmira, que semeava rumores com Assunção, mulher de terreno fértil. As duas fizeram um expressivo e propositado silêncio ao ver aproximar as comadres. De todas a mais esperta, a dona Belmira perguntou às duas últimas se iam à missa das sete, pois tencionava falar-lhes. Tinha a intenção de não deixar de fora quem pudesse por isso a estragar-lhe os planos.

Depois da missa, as cinco mulheres iniciaram o conluio, aquilo que viria a chamar-se “a revolta das donas de casa”. Há muito gastando bastante acima do que é prudente, acumulado dívidas e levado uma vida fora das suas possibilidades, viam como única solução para resolver os problemas de cada uma a manipulação das regras da paróquia, que as favorecesse sem que ninguém desse por ela, para poupar oposições antecipadas. Trataram de reunir à porta fechada, com total secretismo, na sacristia da igreja. Quem as visse diria que, coitaditas, estavam a rezar pelo bem dos fiéis. Não deixaram rasto de registos e muito menos de atas. Rabiscaram num papel pardo o nome impercetível de cada uma, a quem incumbiam de receber uma parte da receita da quermesse e, por desempenharam funções tão relevantes na vigília e regulação do povo e como contrapartida do seu imprescindível zelo, estariam livres das contribuições da côngrua. Já agora, disse a dona Gracinda, escrevam aí que ficam perdoadas as taxas que ainda não pagámos. Assim aclamaram sozinhas o novo estatuto. A única questão era que tal fosse aprovado pelo regedor.

Acontece que a dona Assunção, a tal do terreno fértil, não conteve a língua e denunciou o arranjo. No dia seguinte todos estavam a par da trama, embora ninguém ficasse surpreso, apenas ofendido por aquelas mulheres já privilegiadas tentarem escapar à austeridade e às dificuldades partilhadas por todos. Os maridos vieram defendê-las, claro. O regedor pediu que moderassem a rogativa, admoestando que, apesar de tudo, sem elas deixaria de haver quermesses e procissões. Todos ficaram sentados na encruzilhada. Alguém se lembrou de dizer: “Elas querem é tratar da sua vidinha”.

Isto aconteceu há muito tempo. Isto só por coincidência teria algo a ver com a alteração à lei do financiamento dos partidos.

 

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