Opinião – Gigantes que tremem

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Bruno Paixão

 

Feito inédito, a BBC transmitiu esta quarta-feira uma entrevista feita pelo príncipe Harry de Inglaterra a Barack Obama. O antigo presidente dos Estados Unidos advertiu para a utilização irresponsável das redes sociais, pois a sua utilização indevida tende a distorcer a realidade e a disseminar a desinformação. Barack Obama assumiu recear um futuro em que os factos podem ser descartados e as pessoas só leem ou ouvem aquilo que reforça os próprios pontos de vista, servindo as mensagens para satisfazer as suas plateias.
Nos bastidores destes receios encontram-se não os propagadores das mensagens – pois estes fazem-no de forma mimética e até por vezes anónima –, mas os que servem de veículo de transporte na Internet, cuja alma do negócio é sua fiabilidade. Assim, falsificadores, mentirosos e propagadores de boatos são tudo aquilo que os principais gigantes da informação procuram evitar. Acontece que o mundo que os próprios criaram globalizou os cidadãos e converteu-os em seres sem rosto, tornando complexa a tarefa de discernir quem-é-quem entre os difusores de notícias e de posts que são vazados a cada segundo no espaço virtual. Aparentemente, os gigantes encontram-se presos na rede labiríntica que usaram para enriquecer.
Por este motivo, o Facebook, a Google e a Wikipedia, talvez as três maiores “articulações” de fluxos informativos na Internet, anunciaram iniciativas para evitar que o seu negócio seja afetado pelo descrédito. Procurando descansar as críticas e os juízos mais acutilantes, estes gigantes têm prometido medidas para evitar a propagação massiva de mentiras, sobretudo de mentiras concertadas como as que conduziram ao Brexit, as que sustentaram o impeachment de Dilma Rousseff, ou mesmo as que permitiram uma interferência sem precedentes nos resultados que fizeram eleger Donald Trump. O fact-checking é por isso o seu sistema antimíssil que permite augurar a utopia de verificar todas as informações e de confrontar histórias com dados, pesquisas e registos, aferindo o grau de verdade das informações.
Para os mais crentes na bondade dos gigantes da informação, neste sistema de defesa estão em jogo não apenas o combate à deturpação de notícias, como também à desinformação enquanto uso planeado de omissões, descontextualizações ou, como se diz na gíria, das chamadas meias verdades. Todavia, enquanto a deturpação é em alguns casos uma infração criminal, já a desinformação é uma prática eminentemente política, cujas consequências são o descrédito. O seu uso indiscriminado tem levado a que alguns grupos extremistas tendam a apelidar de fake news as notícias que lhes desagradam ou que contrariam os seus objetivos políticos. Curiosamente, é o mesmo procedimento adotado pelo presidente Trump relativamente aos media norte-americanos que lhe são adversos…
A desmoralização da verdade e a assunção de verdades alternativas têm vindo a desvirtuar o próprio conceito de fake news, aumentando ainda mais a confusão do público e a dificuldade de os gigantes da informação darem uma resposta proporcional à dimensão do monstro que criaram e continuam a alimentar.
Um estudo recente do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, ligado à universidade de Oxford, expôs o impacto negativo da proliferação de mensagens caluniosas e de notícias falsas nas redes sociais. Será este o vislumbre de um tsunami que ameaça vir a caminho e que dá aos media convencionais a derradeira oportunidade de se distanciarem das fake news, comprometendo-se com a verdade e com a ética jornalística? Seria uma excelente notícia. Infelizmente, temo que nem todos estivessem preparados para lidar com os factos e com a verdade.

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