Uma certa esquerda, presa a fantasmas antigos, a dogmas e completamente afastada da realidade, não perdoa a Mário Centeno o facto de ser um economista sensato, cordial e muito pouco político. Não lhe perdoa a eleição para o Eurogrupo, o apoio da Alemanha e o facto de, em muitos aspetos, compreender e apoiar uma linha de rumo alinhada com a Alemanha.
Não percebe a suprema ironia de ter tido um ministro das finanças (Vitor Gaspar) que era uma espécie de ponta-lança da Alemanha em Portugal, e ter agora um Ronaldo que é eleito para presidir ao Eurogrupo com o apoio da Alemanha. Não compreende os ganhos de credibilidade que esta eleição comporta, com efeitos muito positivos para a imagem de Portugal (que ainda há pouco tempo estava sob resgate).
Não percebe que tudo isto muda muito pouco na Europa, como não podia deixar de ser, dada a muito reduzida dimensão do país, mas é uma tentativa de reequilíbrio em que a Europa presta um pouco mais de atenção aos países do sul. E isso é muito importante para países, como Portugal, que não são verdadeiramente independentes (não podem ser com a dívida gigantesca que têm).
Por não perceberem nada do que está a acontecer, e entenderem, e bem, que a eleição de Centeno para o Eurogrupo é, de facto, uma forma de garantir que tudo aquilo que foi conseguido, com esforço, não vai para o lixo, e que isso lhes tira, em consequência, capacidade de influência política, que vão trabalhar para garantir que a GERINGONÇA morre antes das eleições de 2019.
Ora, tudo isso é dramático. Já sabemos que uma certa direita, pouco sensata e muito vingativa, que ficou sem chão debaixo dos pés, desorientada e que nem oposição sabe fazer, não perdoa a Mário Centeno o facto de ele ser competente e ter demonstrado que existia outro caminho, exatamente aquele que Pedro Passos Coelho deveria ter seguido desde 2013. Essa direita, sem respostas, perdida nas suas contradições, desesperos e total desorientação estratégica, atira-se a Mário Centeno por ele ter tido sucesso e, também em consequência disso, ter sido eleito para o Eurogrupo. Como já não lhe podem chamar “fraquinho”, engolem em seco e classificam-no de supercompetente, mas sem ideologia. E insinuam que é um aliado natural da Angela Merkel, agora transformada em figura demoníaca, quando antes era um modelo de responsabilidade e de rumo. Essa direita continua presa em outubro de 2015, reduzida a uma claque que vê a política como um campeonato de futebol em que cada um tem o seu clube (domina a emoção e não a razão), e não foi capaz ainda de compreender a derrota, aproveitando esse tempo para se renovar: veja-se o deprimente nível do debate entre candidatos à presidência do PSD. No entanto, também percebemos que em certa esquerda, de forma algo incompreensível, muitos, talvez demasiados, não compreendem o que foi ganho e como pode isso ser utilizado para um novo impulso.
O futuro de Portugal, a médio e longo prazo, depende totalmente da capacidade e discernimento que alguns protagonistas, de um e outro bloco, tiverem de compreender a realidade e de a saber gerir. A linha de rumo sofrerá inflexões, claro, porque Portugal depende muito fortemente do exterior, pelo que terá sempre de se adaptar aos ventos dominantes tentando atingir os seus objetivos estratégicos: é isso que é navegar à bolina.
Tudo o que aconteceu nos últimos tempos em Portugal era improvável. Aliás, na quarta-feira passada, o Finantial Times usava essa palavra para classificar Mário Centeno: o improvável presidente do Eurogrupo. Mal sabe o famoso jornal que Portugal é um país improvável. A nossa história tem sido isso, uma longa sequência de improbabilidades iniciada por Afonso Henriques nas mui nobres terras do Condado Portucalense, nomeadamente, com a batalha de Sº Mamede que decorreu em Guimarães em 1128. Contra todas as probabilidades, o país cresceu, conquistou os territórios até ao Algarve e chegou aos tempos de hoje. Por isso, improvável é talvez um dos significados de ser Português. Diz muito sobre nós, sobre a nossa capacidade de resistir, reinventar o futuro e até abrir novas possibilidades de desenvolvimento.
A eleição de Mário Centeno, em nome de Portugal, era, de facto, muito improvável. Verificar que Portugal resistiu até ao século XXI, fazendo um caminho cheio de peripécias, acasos e muita determinação, é um facto que só pode ser classificado de muito improvável. Ver um país pequeno, com pouco mais de 10 milhões de pessoas, fortemente dependente do exterior, que enfrenta o mundo de hoje sem se verdadeiramente repensar e definir um rumo, a liderar o Eurogrupo depois de um penoso e humilhante período de resgate, é também de uma improbabilidade inacreditável. Mas aconteceu. Seria uma pena se o efeito de toda esta improbabilidade, e dos muito positivos resultados que foram obtidos, fosse um retorno a um passado de navegação sem rumo e sem compreender o mundo.