Opinião – Estamos muito atrasados

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Diogo Cabrita

“Estamos muito atrasados”. Marcelo Rebelo de Sousa a propósito da justiça e do direito na web-summit. Falava na feira que Paulo Portas trouxe para Portugal.
A ideia do Presidente da República é absolutamente clara e evidente. Uma justiça lenta, desadequada, baseada sobretudo em decisões humanas pouco fundamentadas e sem a importância de uma malha de critérios e de jurisprudência construiu a ideia de incoerência, de excessiva lentidão, de desadequação de penas. No sistema penal é como se apenas houvesse o cerceamento da liberdade como solução. Penso que na maioria dos casos há coerência, adequação e bom senso, mas como em todas as profissões haverá juízes e advogados para todos os gostos e escalões de medida.
A reforma da justiça e do direito deve começar por discutir os valores sociais a preservar, as prioridades do que a larga maioria considera intocável. Queremos mais distribuição de riqueza? Queremos mais valorização da livre iniciativa? Queremos mais liberdade? Queremos mais equidade na forma como garantimos acessos e construímos bem-estar? Queremos mais segurança e mais vigilância? A base do direito é a teoria da Justiça e a base desta são fundamentos filosóficos sobre pensamento e valores. Os construtores do direito, como regência de leis que nos permitem viver em conjunto, sob regras claras, obriga desde o início a saber se eram para todos. A equidade perante a Lei é fundamental. O primado da Lei sobre as vontades é também essência da coerência dos procedimentos. A vontade de construir uma legislação que é para todos, como seria para nós mesmos, vem do imperativo categórico de Immanuel Kant. A importância da equidade nos direitos é sustentada por muitos, mais modernos, como John Rawls. Mais recente ainda, Amartya Sen colocou a discussão entre “contrato Social” e “primazia à redução de injustiças” num patamar mais feroz. O facto é que o direito teórico é sobretudo reflexivo.
A teoria da Justiça não se pode confundir com os tribunais que são sobretudo lugares onde a lei e sua interpretação fazem o quotidiano da gestão dos conflitos entre os homens. Assim há vários degraus que vão para obras. Primeiro sentar quem pensa e sabe a discutir um padrão. Uma solução aristocrática – mas neste ponto não vale o indigente o mesmo que Karl Popper, Locke, Hobbes, Condorcet, Mill, Rousseau. Segundo patamar a reforma da missão da Justiça como cimento da sociedade. Uma Justiça mais célere, mais coerente, mais previsível, mais próxima de códigos numéricos e reproduzíveis. Os juízes odeiam isto, mas esta é a base da reforma e o pilar da mudança. O “parece-me” conflitua com o rigor dos números e a certeza das observações. Há que fazer estudos sobre decisões e suas consequências. O direito tem de se aproximar da ciência e portanto da formatação de conflitos e de molduras penais.
De facto “estamos muito atrasados” e não é só em Portugal. Os graus de evidência e as recomendações são um método que desagrada aos defensores da “arte da decisão”, os defensores do parecer construído de interpretação pessoal. Também foi assim na Medicina.
A Terceira vertente a mudar é o leque de penas possíveis. O trabalho é sempre um bom caminho. O serviço público onde é difícil ter interessados também. A deslocação para outros territórios pode ser solução. O encarceramento em unidades viciosas e cheias de crime parece o passado a evitar. Sim concordo com Marcelo Rebelo de Sousa: o sistema jurídico está muito atrasado apesar de carregado de gente eloquente e brilhante, pensadores profundos e construtores de ideais. A base de um sistema de Lei que nos defende de um Trump está em evidência e em jogo na América de hoje.

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