Opinião: A Rua de Santa Sophia e um futuro por cumprir

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Norberto Pires

O rei D. Dinis criou em 1290 uma Universidade Portuguesa, dando origem a uma instituição que é hoje a universidade mais antiga do país e uma das mais antigas do mundo. O documento de criação da universidade dá origem ao Estudo Geral que é reconhecido nesse mesmo ano pelo Papa Nicolau IV. Essa Universidade começou a funcionar em Lisboa, mas foi transferida definitivamente para Coimbra em 1537 por ordem de D. João III.

Não é sobre a Universidade de Coimbra que vos quero falar, mas sim de uma das ruas mais antigas da Europa e que esteve na génese da Universidade de Coimbra e é hoje património mundial da UNESCO: a Rua da Sofia.

A transferência da universidade portuguesa de Lisboa para Coimbra está relacionada com a necessidade de lhe dar um novo impulso. Os anos de funcionamento em Lisboa levaram a uma certa acomodação do corpo docente, não se desenvolveram colégios de apoio com a função de realizar estudos propedêuticos, como o rei esperaria que tivesse acontecido, o programa de estudos não estava alinhado com os vetores essenciais do humanismo cristão de vanguarda e existia uma grande quantidade de alunos portugueses que procuravam escolas estrangeiras para estudar, nomeadamente, Salamanca, Alcalá (uma pequena cidade situada a nordeste de Madrid), Bolonha, Florença, Paris, entre outras. D. João III, reconhecendo o problema, decidiu então criar em Coimbra um dos “grandes centros culturais da península”, transferindo para esta cidade, construída nas margens do rio Mondego, a universidade portuguesa.

O rei D. João III e muitas outras pessoas tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da Rua da Sofia (uma rua larga, com cerca de 13 metros de largura, comprida, cerca de 500 metros de comprimento, constituído por colégios, no lado nascente, e prédios de rendimento, no lado poente), nomeadamente na sua profunda ligação à Universidade de Coimbra e ao desenvolvimento de um sistema de ensino preparatório ao ensino superior. Importa mencionar o papel de Frei Brás de Braga, o renovador e responsável pelo Mosteiro de Santa Cruz, de Diogo de Castilho, o arquiteto do rei em Coimbra, de muitos docentes que chegaram a Coimbra, de várias ordens religiosas, como por exemplo os jesuítas que foram responsáveis pelo desenvolvimento definitivo do Real Colégio das Artes e das Humanidades (que está na génese do nosso atual ensino secundário), mas também de André Gouveia, o primeiro responsável pelo Colégio das Artes (quando ele ainda se localizava nos edifícios dos Colégios de São Miguel e de Todos os Santos, local onde hoje é o Centro de Artes Visuais e o Pátio da Inquisição) e muitos, muitos outros.

Depois de uma certa indefinição inicial, avançou a ideia de concentrar na alta da cidade os estudos superiores e na baixa os cursos propedêuticos/preparatórios de artes e humanidades. Uma ideia que reconvertia o projeto original da rua da sofia, agradava a Frei Brás de Braga e tinha sido delineado entre D. João III e André de Gouveia, um docente muito prestigiado que dirigia o Colégio da Guiana em Bordéus e tinha sido reitor da Universidade de Paris. Assim, a Rua da Sofia deveria acomodar principalmente colégios de ordens religiosas que tinham especial interesse nesse tipo de estudos.

Os colégios seculares, que eram a ideia original de D. João III, foram transformados em colégios de ordens religiosas. Por exemplo, o Colégio da Graça, dos eremitas calçados de Santo Agostinho, iniciou a sua construção, com projeto de Diogo Castilho, em 1943.

A extinção das ordens religiosas em 1834 acabou com a existência dos colégios. Os edifícios foram incorporados no património do Estado, sendo alguns deles vendidos para vários fins.

A história da Rua da Sofia, património mundial da Unesco, é muito rica e está fortemente ligada à história da Universidade de Coimbra. Por isso, quando se discutiu a possibilidade de recuperar e revalorizar os Colégios da Sofia, num debate realizado em 1999, o então reitor, Fernando Seabra Santos, lançou a ideia de constituir na Sofia o Polo 0 da Universidade de Coimbra, transferindo para lá algumas valências universitárias. Essa seria uma forma de fomentar a gigantesca tarefa de dar um novo propósito à Rua da Sofia que, de alguma forma, recuperasse a ideia original de meados do século XVI. Um bom exemplo, é o que tem sido feito no Colégio da Graça e que urge acelerar.

A Rua da Sofia merece, pela sua importância histórica, ser reabilitada, assim como os vários colégios que ainda existem. Faria também sentido que a sua história fosse mais visível, mais visitável e mais promovida. A história da universidade portuguesa está um pouco naquela rua, naqueles edifícios, na sua arquitetura e nas histórias que têm para contar.

E se Coimbra pensasse na reabilitação histórica, monumental e funcional da Rua da Sofia, dando-lhe também uma dimensão turística relevante? Não se esqueçam que os edifícios do lado poente eram edifícios de rendimento, um propósito que pode também ser explorado transformando, de novo, a Rua de Santa Sophia num importante local comercial e económico da cidade de Coimbra. E se pensássemos nisso?

Ver um documentário sobre a Rua da Sofia, com texto desenvolvido sobre a sua história, em: http://www.coimbracanal.com/e-se-a-rua-de-santa-sophia-e-um-futuro-por-cumprir/

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