O grau de verdade científica do que adiante afirmarei é o mesmo das verdades que contraditarei. Isto a propósito do novo mundo de construtores de realidades convenientes para alguns e de regras que assistem favores corporativos ou facilitam vantagens para determinados. São indiscutíveis aos olhos de todos nós a violência do nemátodo do pinheiro, o escaravelho das palmeiras, a força da xylella fastidiosa a arrasar olivais na Itália (e a vir nesta direcção) , a chegada das vespas asiáticas dizimando colmeias, o calicivírus da febre hemorrágica dos coelhos, a Francisella tularensis que provoca a tularémia das lebres.
Isto está tudo a acontecer em Portugal agora? Não. Mas algumas estão.
A “verdade conveniente” é afirmar que tenho um creme que vos defende de tudo isto e está disponível em farmácias. Também podíamos chamar “mentira com benefícios”. Mas podemos construir uma semi-verdade que trata algumas destas situações e que até estão num creme que não trata o demais. Fica uma “verdade incompleta” ou uma “meia mentira”. Disso vive a política actual com o lamaçal das acusações e distribuição de insultos construídos de “pós verdades”.
Verdades que não são completas há imensas. A prova de que eram irrefutáveis nunca chegou mas que deu milhões a ganhar a alguns, lá isso deu. O “melhoral”, o que não faz bem nem faz mal e os seus derivados são imensos e vendem-se para varizes, celulite, rugas, envelhecimento, melhor cicatrização, emagrecimento.
Os desfibrilhadores em todas as instituições foi uma medida preventiva que deu muito dinheiro aos seus construtores. Salvou vidas na proporção do investimento? Ninguém vai dizer ou falar porque é uma tema difícil – quanto vale uma vida? O fim do fio de cut-gut, que desapareceu porque alguém disse que poderia causar a bovine spongiform encephalopathy e portanto, pelo princípio das cautelas, retirou-se dos mercados o produto.
Nunca uma das centenas de milhões de pessoas operadas no mundo usando cut-gut contraiu essa ou a nova forma de Doença de Creutzfeldt-Jakob, em seres humanos. Os fios mais caros de sutura em humanos agradecem. As decisões sobre validade de alimentos e produtos empacotados ou embalados – mesmo não alimentares – é hoje muito discutível, com provas de que o desperdício poderia salvar milhões de pessoas da miséria enquanto aumentamos lixo e riqueza de alguns.
A receita é induzir medo, construir um discurso de sustentação por introduzir suspeições, divulgar histórias horríveis que se pudessem assemelhar, colocar a má informação a carregar a divulgação sem filtros. Construir populações mais crentes nos média e menos cultas de informação suportada.
Bum – surge um negócio e alguém fica milionário à escala planetária. Vacina para a gripe das aves foi um caso de estudo a não esquecer. recordo do “correio da manhã” de 2008 o jornal falava de mortos na China e dos fármacos não comparticipados “A nova vacina pré-pandémica licenciada pela EMEA tem o nome de Prepandrix. Uma das maquetas de vacina também aprovada chama-se Pandemrix e os medicamentos são ambos da multinacional GlaxoSmithKline” Uppss – não houve pandemia e não houve quem usasse as vacinas, aos milhões, que os europeus compraram.
Esta receita dá para os electrodomésticos, para a roupa e suas tintas, para os vernizes, para as doenças profissionais, para a construção civil, para os vírus dos telemóveis. Todas as meias verdades carecem de verificação e é neste pilar da modernidade que deviam assentar as certezas. A evidência obriga a graus de recomendação que serviriam para tudo. Não recomendo que coma esse iogurte mas se ele estiver azedo é de facto essa a essência da sua construção – leite azedo. A leveza da instagirl e dos mundos selfie vai ser um paraíso para aldrabões e seus mercantilismos de pós verdades.
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