A legalidade autárquica, instituída a partir do quadro constitucional de 1976, tem por base uma conceção democrática de partilha do poder, consubstanciada na pluralidade de todos os órgãos, com especial destaque para os órgãos executivos: Câmara Municipal e Junta de Freguesia.
Por isso, o Presidente da Câmara ou da Junta não é um órgão autónomo, eleito uninominalmente, mas antes o primeiro da lista mais votada e os órgãos executivos contam com vereadores/ representantes de diversas forças, num sistema proporcional aos resultados eleitorais. As tentativas feitas ao longo dos tempos – a última das quais, a do PS já nesta legislatura – para alterar o sistema, com órgãos executivos monocolores, não têm colhido o consenso necessário.
Apesar disso, sucessivas alterações legislativas foram reforçando os poderes dos presidentes dos órgãos executivos, Câmara e Freguesia, de modo que, quem não tenha uma visão democrática da partilha do poder, possa fazer quase tudo. Daí decorre, obviamente, também o seu protagonismo durante o respetivo mandato, com clara subalternização do órgão a que preside. As Assembleias Municiais e de Freguesia, na prática, são desvalorizadas devido ao seu modo de constituição e atribuições, de que se destacam a impossibilidade legal de destituir o Presidente e a impossibilidade, na prática, de alterar a proposta de Orçamento.
Sendo esta a realidade legal e prática, as eleições passaram a centrar-se naturalmente na figura do candidato a eleger como Presidente e em pouco mais. A propaganda feita, um pouco por todo o lado, torna-o evidente. Os programas tornam-se secundários e tirando uma ou outra ideia estrambólica, como a do aeroporto internacional em Coimbra, pouco mais passa para a opinião pública. A que acresce, por sistema e em quase todos os concelhos, um redobrar de atividade / aparato e de subsidiação incongruente e oportunista, nos últimos 6 meses, para encobrir a inércia de todo um mandato. Como está a acontecer exemplarmente em Coimbra!
Isto vale por dizer que quem quiser intervir, de forma decisiva, na alteração das politicas municipais tem de lutar pela Presidência da Câmara ou então, no mínimo, ter uma força substancial que, em caso de ausência de maioria absoluta, possa ser incontornável na governação municipal.
E se isto é assim um pouco por todo o lado, em Coimbra a situação é ainda mais gritante devido ao perfil autoritário e centralista de governação de Manuel Machado, que, mesmo não tendo maioria absoluta na CMC, fez praticamente o que quis, desrespeitando sistematicamente os vereadores e a Assembleia Municipal.
Ora, atendendo a este perfil, à ausência de uma estratégia mínima para o desenvolvimento do concelho e sua afirmação no contexto regional e nacional, à arrogância perante os munícipes e os agentes económicos, sociais e culturais, à incapacidade de execução para além de obras menores do tipo passeios e rotundas, tudo isto associado à fraquíssima oposição de direita, veio ganhando consistência a ideia de, pela primeira vez, em 40 anos de poder autárquico democrático, Coimbra deixar de ser governada pela alternância PS – PSD/CDS.
Isto é, ser possível romper o cerco que este conjunto de forças impôs a Coimbra, com graves prejuízos para o desenvolvimento e afirmação do concelho na região e no país. Ou seja, tornou-se possível e absolutamente necessário o surgimento de uma força, independente dos partidos, contando com o CPC, assente num programa democrático em prol de sólidas políticas públicas nas diversas áreas de intervenção municipal.
E hoje, a crer nos dados que vão chegando, essa ideia tinha pernas para andar e ter sucesso. Porém, o sectarismo partidário impôs-se, receoso de se ver afundado numa corrente cívica que o superava. E o resultado está à vista. Hoje o CPC limita-se a ser a expressão da política do BE na ânsia de poder ser muleta de Manuel Machado, a par da CDU ou em substituição desta. Para que nada mude. Tudo em favor do reforço da posição do BE na “geringonça”. Embora só no próximo domingo se saiba quem ganha e de que muletas precisa, sabe-se hoje já quem perde: o concelho de Coimbra e os seus cidadãos!