Coimbra em tempo de autárquicas

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Rui Bebiano

As eleições autárquicas servem para confrontar projetos de futuro, não apenas para passar uma carta branca a quem for eleito para gerir localmente o poder. Isto significa que nas campanhas deveriam ser as ideias para a vida partilhada pelos cidadãos, e não tanto os rostos tratados com Photoshop ou as lealdades políticas, a servir de mote ao debate e a determinar as escolhas. Partidos e movimentos de cidadãos, sendo indispensáveis como parte do sistema democrático, deveriam sempre de servir esse propósito, contribuindo para esclarecer e mobilizar um voto informado e construtivo, e transformando toda a eleição na etapa inicial de um compromisso permanente com os eleitores.
Em Coimbra, esta necessidade tem um sentido particular, dado aplicar-se a uma cidade que desde há muitos anos é governada à vista, em função de necessidades imediatas, com ausência de projetos a médio prazo capazes de inverter o percurso descendente que em muitos domínios a cidade tem vivido. Afirmar isto não é maledicência, mas a constatação de uma realidade. Os dados objetivos não o desmentem; para não abusar da paciência dos leitores, bastará dizer que o mito da “3ª cidade do país” se confronta com uma realidade que o nega. Coimbra é, de facto, o 15º concelho do país em população, enquanto em valores exportados em 2016, se encontra em 53º lugar, bem abaixo de concelhos próximos como a Figueira da Foz, Águeda, Cantanhede ou Anadia, para não comparar, por exemplo, com Guimarães, Braga, Aveiro ou Leiria.
Isto deve-se, em larga medida, ao facto de a cidade se manter vinculada ao setor terciário, com uma componente produtiva ou transformadora muito reduzida. Em consonância, possui uma forte componente sociológica de classe média, associada aos serviços administrativos ou a áreas de atividade como a educação, a saúde e a justiça. Existe também um número importante de moradores que trabalham noutros concelhos, e a usam essencialmente como um dormitório. Todavia, esta condição específica não é necessariamente um drama a superar ou um problema que a diminua, como por vezes se faz crer, sendo muito mais útil partir da realidade para encontrar estratégias de renovação, do que inventar uma pujança económica e social que não cai do céu e pela qual poderemos esperar longamente. Na verdade, não temos de inventar OUTRA cidade, mas sim de melhorar ESTA.
O primeiro passo da recuperação da cidade requer a emancipação de uma marca que tem funcionado mais como uma amarra. A obsessão doentia pela tradição e pelo passado, nuclear num certo padrão de imaginário coimbrão, tem sido um fator inibidor da modernização e que prejudica por vezes a própria qualidade de vida dos moradores, sobretudo nos conhecidos momentos de tolerância perante o ruído e o caos, por alguns estranhamente interpretados como património. Uma cidade moderna pode e deve integrar os seus costumes e a sua história, mas isso não significa fazer delas a sua bandeira e dar-lhes um estatuto de privilégio que afete outras dinâmicas. Aliás, esta tendência negativa está ligada a uma outra, o peso do regionalismo, no qual o universal conflui no local, e não o inverso, como é imprescindível numa lógica de abertura à contemporaneidade e ao mundo.
Depois existem muitos fatores a rever urgentemente, como a integração efetiva da cidade e da sua universidade, a valorização dos milhares de estudantes estrangeiros que agora todos os anos aqui confluem, ou o apoio às dinâmicas da atividade cultural orientadas sobretudo para o padrão de pessoas que passa pela cidade ou que a pode visitar nessa perspetiva. Ou ainda uma gestão urbana orientada para a qualidade de vida e não por uma lógica de «desenvolvimento» que prefere mais a melhor, ou a valorização urgente do rio e das imensas possibilidades que oferece e continuam desaproveitadas, ou a urgente diversificação da oferta turística, ou a melhoria da eficácia dos transportes no núcleo urbano e na relação com os concelhos limítrofes.
Para isto tudo, porém, é preciso Política com maiúscula, fundada num projeto claro e audaz, capaz de projetar uma nova relação com realidade e de inverter a queda iniciada há décadas, que os partidos do «arco da governação» local – o PS, em Coimbra uma força da conservação, tal como o PSD e o CDS – insistem em negar, sem grandes diferenças entre si para além da fisionomia dos intérpretes. Limitando os programas eleitorais a pacotes de promessas, mais ou menos megalómanas ou apresentadas como meras intenções, ou a cadernos reivindicativos apenas destinados à gestão direta do quotidiano que seduzem os menos politizados. Sem um pacto de confiança com os eleitores, e sem lhes fornecer um efetivo projeto de esperança, é impossível escapar ao ciclo do engalanado marasmo.

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