Sou do Interior. Sem orgulho mas com a dignidade de quem sabe qual o seu território.
E sem alegria porque a consciência do que me rodeia me impele à realidade.
E a realidade nunca interessou aos que mandam no Terreiro do Paço ou nos Paços do Concelho.
A realidade é supérflua quando o que importa são as narrativas. Mas já se sabe, o povo não entende certas coisas, é preciso simplificar. Transformar em mensagem que toda a gente entenda.
Chamem os homens do “marquetingue” (o computador acaba de me avisar que esta palavra não existe) e inventem novos conceitos, inovadoras plataformas de comunicação: é preciso que todos entendam o esforço dos que governam para proteger os governados; que a nossa estratégia sempre foi o desenvolvimento do Interior; que todos saibam que mesmo a atual e única estratégia inovadora do turismo é a de angariar fundos para desenvolver o Interior.
As provas da nossa preocupação estão à vista de todos: piscinas-praias, praias fluviais, aldeias de xisto perfeitas, requalificação de ribeiras e riachos, ermidas, bandas filarmónicas centenárias e associações recreativas, todas com sedes de luxo em escolas primárias, tantas, tantas, que já não há estatística.
E as festas, senhores, as festas; os artistas (os melhores e os mais caros); as feiras (de produtos do campo); tudo tudo gratuito para os que vivem no Interior. Tudo pela animação do povo, tudo graças à generosidade de quem nos governa nos Paços do Concelho e no Terreiro do Paço.
Muita qualidade de vida (é o que os do marquetingue dizem) oferecida em requiem aos que vão morrer no Interior sem descendentes.
Sou do Interior. E há décadas que vejo, de olhos bem abertos, a necessidade da pobreza do Interior para capitalizar os fundos comunitários e os entregar aos que não gostam de trabalho, de esforço e de aprendizagem, mas de conviver nos Paços do Concelho, da persuasão, de utilizar a vaidade dos que julgam ter poder (e o que é o poder senão vaidade?), para proveito próprio; e que chegado o tempo das eleições, chegará também o cobrador do dízimo, do valor já entregue em ajustes diretos, em concursos fictícios (haverá algo mais ficcional que um concurso?) e para depois do acerto de contas os autarcas realizarem uma Campanha também ela Alegre, também ela cheia de brindes e animação.
Tudo socialmente aceite, tudo em nome da pobreza do Interior.
Riqueza única para Portugal exibir e capitalizar em Bruxelas.