Henrique Gomes, ex-Secretário de Estado da Energia do Governo de Pedro Passos Coelho (PPC), deu uma entrevista ao Jornal Económico que merece ser lida, relida, lida de novo e guardada para memória futura. Eu considero que estou a fazer serviço público ao recomendar que a leiam. Peço mesmo que o façam. Por favor leiam. É muito importante.
Reconheço, por experiência própria da minha passagem pela CCDRC, todo este procedimento em que o Estado aparece tomado pelos lobbies, as decisões são comprometidas, se proíbem ações em defesa dos contribuintes e do Estado e se percebe que muito poucos têm autoridade. Sei muito bem, por experiência própria, o que é receber uma ordem para não cumprir determinada função a uns minutos de a iniciar. Por acaso, ou talvez não, no meu caso e no do Henrique Gomes, estamos a falar de um discurso com informação importante, que alguém não queria que fosse transmitida, e que continha também o anúncio de ações de correção que esse alguém não queria também que fossem tomadas. Henrique Gomes, perante uma ordem direta para “não falar nas rendas diretas excessivas”, demitiu-se. Eu usei uma estratégia mais radical. Entre o interesse nacional e regional e o interesse de alguns, desobedeci. Falei no que queria falar e fiz o que pensava que deveria ser feito. Claro que a demissão veio logo a seguir, como não poderia deixar de ser.
Mas voltemos ao Henrique Gomes. Diz ele sobre a necessidade de anular as rendas energéticas excessivas, depois de um relatório da ERSE que as identificava com clareza:
“… entrámos numa segunda fase em que tínhamos de negociar. Ou seja, não podíamos fazer nada unilateralmente. Como é que se negoceia? Tínhamos o relatório que identificava as rendas excessivas e eu preparei uma equipa negocial. Na negociação, para não ser enrolado e fazer uma negociação forte, a minha tática foi divulgar os dados das rendas excessivas. Publicamente. Isso comprometia-me a mim e ao Governo com a eliminação dessas rendas. Tínhamos um alvo a atingir”.
E o que aconteceu? O Governo fez frente à adversidade, como tinha prometido em campanha eleitoral? Ou os lobbies mostraram quem mandava?
“Sim, ao ponto de eu, secretário de Estado da Energia, ter sido proibido de falar nas rendas excessivas. Nem de valores, nem nada. Tinha sido convidado para ir a uma sessão comemorativa do aniversário do ISEG e nesse dia de manhã havia um Conselho de Ministros excecional. O ministro Santos Pereira telefonou-me a dizer que não podia fazer aquele discurso sobre as rendas excessivas, tinha que fazer outro. Eu recusei e apresentei a demissão. Portanto, há duas abordagens perfeitamente distintas, antes e depois da privatização. Convidaram-me para o Governo porque diziam que se tratava de um setor dominado pelos “lobbies” e eu era independente e poderia fazer o que era necessário. Afinal, os “lobbies” eram mais fortes e venceram”.
Esta entrevista é demolidora e mostra bem como funcionava o Governo de Pedro Passos Coelho, o qual sai muito mal, de novo, na fotografia. Deixa também muito claro que os lobbies faziam parte do Governo PPC, eram determinantes na tomada de decisão e que o bem-intencionado ministro da economia (Álvaro Santos Pereira) mandava tanto no ministério da economia como a empregada da limpeza.
Por exemplo, o facto de assuntos que deveriam ser tratados com sigilo, porque são os interesses do Estado que estão em causa, serem logo distribuídos pelos lobbies depois de chegarem ao Gabinete do Primeiro-Ministro, mostra bem a forma como se mexiam no Governo e como comprometiam as decisões. Nas palavras de Henrique Gomes: “Sim, isso é público. O ministro Santos Pereira enviou o relatório, por volta das 11h da manhã, para o gabinete do primeiro-ministro. À hora do almoço já havia telefonemas da EDP a perguntar que relatório era aquele”. Fica claro, Mexia “mexia-se” à vontade em sectores políticos relevantes do governo. Mandava, portanto.
Esta entrevista deveria ser viral porque deixa tudo tão claro sobre a fraude que foi o Governo de Passos Coelho e sobre a sua pretensa imagem de reformista. Mas também porque mostra, de novo, o papel de José Sócrates e do seu Governo, de Mexia e da sua capacidade de comprometer decisões, de Catroga e de muitos outros.
Por favor partilhem esta entrevista. É serviço público.
Este país poderia ser muito diferente, um local de oportunidades, se prestasse atenção a quem escolhe para governar. Isso também fica muito claro nesta entrevista. Obrigado Henrique Gomes pela coragem.
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