Passasse o comboio pelas estações (mortas) do Ramal tantas vezes como o assunto passa por estas páginas (vivas) de jornal, e não haveria problemas de mobilidade no caminho deserto entre Coimbra e Serpins. Mas não. Por razões que a razão desconhece, como nas más histórias de amor, continua a não haver entendimento entre a decisão e a necessidade. O último capítulo do enredo parece ser a instalação de um metrobus, mais uma talvez-opção embrulhada em mil pareceres, uns de dizer assim outros de dizer assado, que parecem feitos para dilatar prazos de resolução e encher de encomendas os abutres do chão vazio. Outra vez as contas de mau prestador, as encomendas de pareceres, os contratos de remendo com as camionetas-de-levar-devagarinho.
O drama é precisarmos mesmo do Ramal, daquela mesma linha de ferro que foi protagonista da vida de milhares de pessoas que moraram e trabalharam ao longo de um percurso consolidado pela História, confiantes de que o que é bom dura a vida inteira.
Nunca compreendi a razão pela qual os negócios do betão e das camionagens tiveram de ser, no momento da decisão de avançar com o orgulhoso equívoco da Metro Mondego, mais importantes do que o tempo dos cidadãos que herdaram ou escolheram ser ligados ao mundo pelo Ramal. E não compreendi também a razão pela qual se ordenou extinguir a potencialidade de carga do Ramal, comprometendo o regresso dos dias em que a produção passe a ser, de novo, o normal neste pobre país terciarizado, nesta região abandonada à voragem dos incêndios e das mimosas. Nem no turismo pensaram, estes campeões do empreendedorismo da treta – até isso seria possível desenvolver no percurso que foi feito para ser útil, num tempo em que ainda não se reparava no que é belo.
Agora que as eleições se aproximam, hão de chegar os anúncios, embrulhados nos entusiasmos sazonais com que se assinala uma volta completa no movimento de translação dos mandatos. Haverá obras com fartura, daquelas de cimento e alcatrão, por haver quem se afeiçoe a esse movimento constante de ocupação do chão, como se a vida das cidades dependesse da capacidade de impermeabilizar cada pedaço de terra nua. Hão de desfilar ministros e secretários de Estado, a indústria de fitas e tesouras de inauguração esfregando as mãos de contente. Menos mal, assim se inaugurassem de facto alegrias novas nas vidas da nossa gente. Mas no caso do Ramal a solução nunca é verdade. Trata-se sempre de dilatar o tempo entre o fecho da linha e a passagem do transporte, uma espécie de nova dimensão que não é pontualidade nem atraso – é ausência.
Na memória histórica figuram já protestos populares justos e indignados, regozijos estéreis dos dignitários, desde Mário Lino “Jamé”, pareceres para os mais diversos gostos, a lembrança de uma linha de caminho-de-ferro que já transportou gente, papel, madeira e tudo o mais que precisasse de chegar ao seu destino, a tempo e sem transbordo. E recomendações da Assembleia da República a que os governantes centrais e locais fizeram vista grossa, para vergonha nossa e da nossa democracia.
Na linha de partida está agora o tal “metrobus”, no fundo não mais do que um powerpoint carregado de pdf,s, jpeg’s e demais virtuezas, talvez acompanhado de uns folhetos a cores patrocinados pela empresa interessada no negócio do material circulante. Nada constará a nível de prazos, modelo de gestão, detalhes do negócio. Como convém.
Precisamos mesmo do Ramal. Nem que seja por ser aquela a única solução que provou saber deslocar-se entre dois pontos do percurso. É que todas as demais “soluções” não têm feito senão descarrilar.