Opinião – Liberdade para que imprensa

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Bruno Paixão

A independência está para os media como a roupa está para as crianças: é indispensável, tem várias cores e padrões, mas os pais é que acabam por ditar aquilo que os filhos vão vestir. A independência do jornalista não quer dizer que seja este a decidir sobre tudo o que escreve ou que não tenha condicionalismos. Por isso, em vez de independência, seria preferível a expressão autonomia, enquanto sinónimo de emancipação e liberdade. Esta sim, induz uma capacidade de decisão e de arbítrio dos jornalistas face aos ditames de quem manda.
Enquanto organizações partilhadas por profissionais deontologicamente competentes, os órgãos de comunicação social não estão imunes à exposição interna e externa nem se encontram numa redoma que lhes confira independência face a essas realidades. Mas cabe a cada profissional decidir se elas se convertem em vulnerabilidades inultrapassáveis ou, ao invés, em existências normais que coabitam na atmosfera sem condicionar a sua arbitrariedade e consciência profissional. Ou seja, é relativamente legítimo que uma administração dê atenção ao volume de vendas de jornais ou à obtenção de audiência televisiva, tendo em mente a sustentabilidade da empresa, para poder pagar salários e impostos e para manter a redação em funcionamento. Desta forma, direta ou indiretamente, está a incutir uma dependência, está a subordinar a redação a uma pressão para encontrar uma receita que providencie o aumento de público e, com isso, um reflexo positivo nas vendas. Será isso ilegítimo? Ou, melhor, será uma fatalidade sem ponto de equilíbrio? Julgo que a resposta não pode ser taxativa e muita coisa deve primeiro ser ponderada. Mas já não é assim tão legítimo se a administração pretender imiscuir-se no processo noticioso, pois deve haver uma autonomia de uns face aos outros. Da mesma forma que os pedidos do público, as pressões das organizações cívicas, a concorrência ou as imposições dos anunciantes procuram sempre um efeito sobre o jornalista. Nada disto é novo, sempre existiu e continuará a existir. Mas, uma vez mais, a distância convertida em autonomia é um dos remédios para evitar o contágio.
Creio em que, no momento veloz e avassalador que atravessamos, por estar a ser bombardeado por notícias falsas propagadas pelas redes sociais e pela imprensa sem escrúpulos, não tardará a que o público comece a selecionar a quem dar atenção, a quem dar crédito e a quem atribuir reputação reconhecendo a sua credibilidade.
O caminho a trilhar rumo à confiança do público tem ainda muitas deceções no horizonte. Antevê-se que não cesse tão depressa o caminho espinhoso e que os media continuem em processo de reestruturação dos seus modelos de existência. A liberdade outrora reclamada em benefício da não perturbação da livre expressão dos jornalistas, junto dos patrões, do poder político e do poder económico, vê-se hoje substituída pelo singelo direito de ocupação de um espaço que tenha apenas público para informar. Esse público só pode ser seduzido com poderosos argumentos: verdade, autonomia, ética, escrutinação de poderes, verificação de conteúdos e boa informação.

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