Não há nada que tenha mais impacto na educação das novas gerações do que os exemplos que lhes damos, diariamente, nos vários aspetos da vida. Podemos ter boas palavras e até uma educação formal cheia de valores, mas nada resiste aos péssimos exemplos e à diferença entre aquilo que dizemos e aquilo que eles observam como prática generalizada. Deixo-vos dois exemplos, um nacional e outro de Coimbra.
Banca nacional: O desastre do BPN, assim como o do BES, do Banif e da CGD, foi um grande negócio para muita gente. A generalidade dos portugueses perdeu muito dinheiro com tudo isso, mas alguns ganharam muito dinheiro. Vejamos o caso do BPN. A nacionalização do banco custou, até hoje, 5.4 mil milhões de euros. No entanto:
1. O Estado entregou 90 milhōes ao banco EFISA, que fazia parte do universo BPN, em sucessivos aumentos de capital, para o vender por 38.5 milhões de euros à Pivot SGPS (uma sociedade onde aparece o nome do ex-ministro, especialista em licenciaturas por equivalência, Miguel Relvas). Com esse dinheiro o EFISA pagou empréstimos que tinha com o BPN-BOM, banco que, recorde-se, Maria Luís Albuquerque tinha vendido ao BIC (do ex-ministro Mira Amaral) por 40 milhões de euros. Ou seja, o BIC já ganhou dinheiro com o BPN, pois recebeu, do EFISA e do Ministério das Finanças, mais de 63 milhões, o que dá já um lucro de mais de 20 milhões de euros. Fantástico. Nem toda a gente perdeu dinheiro com o BPN.
2. Apesar de escrever que “toda a prova produzida nos autos revela, relativamente àqueles negócios, uma engenharia financeira extremamente complexa, a par de decisões e práticas de gestão que suscitaram suspeitas sérias sobre os reais fundamentos dos negócios subjacentes às participações na REDAL e na BIOMETRICS e ao pagamento de comissões não justificadas”, o Ministério Público (MP) arquivou esta semana o inquérito contra Dias Loureiro (ex-ministro) e Oliveira e Costa (ex-secretário de estado). E fez isso acrescentando que tais negócios “implicaram a concessão de financiamentos por bancos do Grupo BPN a entidades instrumentais, que não foram pagos, com consequente prejuízo para o Grupo, para além de transferências de capital para concretização do negócio da BIOMETRICS”. A BIOMETRICS acabou por ser vendia por um fundo controlado pelo BPN a uma empresa offshore de Al Assir, amigo de Dias Loureiro e também suspeito neste inquérito. Nas contas do fundo, esta venda, em que Dias Loureiro interveio, apareceu contabilizada por “um dólar”. Ou seja, estes e outros senhores fazem negócios, ficam com os lucros e com as mais-valias e deixam os prejuízos e os empréstimos não pagos para o Estado. Para eles é só lucro. No final, devido à enorme complexidade de tudo isto, palavras do MO, o inquérito é arquivado. Fantástico. Segue-se aqui a regra de total ausência de responsabilização.
Convento de São Francisco (Coimbra): Para terem uma ideia do total descontrolo que é/foi a construção deste equipamento cultural, bem como as peripécias por que passou, deixo-vos estes dados:
1. O Convento de São Francisco foi construído no século XVII e foi um convento de frades. Depois foi uma fábrica de lanifícios e acabou por ser adquirido pela câmara em 1995. Esteve para ser um centro de negócios e escritórios, um centro de congressos, um espaço hoteleiro e cultural até que, em Outubro 2010, foi adjudicado o projecto de equipamento cultural que acabou por ser construído;
2. A obra deveria ter sido inaugurada no final de 2012, isto é, há quase 4 anos e meio. Sim, leu bem, já vamos com uma derrapagem temporal de execução de cerca de 4 anos e meio;
3. O orçamento inicial era de 23 milhões de euros. Atualmente, o custo da obra já deve ser superior a 50 milhões de euros, ou seja, apresenta uma derrapagem financeira de mais de 100% do orçamento inicial;
4. A programação do espaço e a sua gestão, dada a importância e dimensão do equipamento, deveria ter incluído um intenso debate com todos os agentes culturais da cidade e merecido um concurso público para a sua programação e gestão. Ao invés disso, o Presidente da Câmara decidiu tudo sozinho e contratou um “amigo político” para gerir o espaço;
5. Agora, sem programação e gestão dignas desse nome, sem o ter inaugurado, sem projetar para esse espaço algo que permita escrutinar alguma ideia de estratégia cultural, registando uma derrapagem de execução de 4 anos e meio e uma derrapagem de execução financeira de mais de 100%, o senhor Presidente da Câmara de Coimbra vai inaugurar o Parque de Estacionamento subterrâneo do Convento de São Francisco. É caso para dizer: Socorro!
Eu já nem tenho capacidade para me indignar. Só sinto uma imensa VERGONHA. O que é TERRÍVEL é a perceção de que nada muda e de que não vale a pena sequer falar, pois os lucros estão do lado de quem alinha e os prejuízos do lado de quem tenta moralizar. Os mais novos estão a ver e a aprender.
Pensem nisso.
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