Como qualquer cidadão de Coimbra fico verdadeiramente abismado com o conjunto de esqueletos de prédios que se encontram mesmo em frente ao Parque Verde, e que são o resultado de um empreendimento que se denomina(va) Jardins do Mondego. Esse empreendimento é uma obra da autoria de Gonçalo Byrne. Na verdade, desde que foi licenciado este empreendimento esteve sempre envolvido em polémica e, em consequência de ilegalidades detetadas, a obra esteve embargada durante desde 2005, resultando numa urbanização fantasma que é bem o sinal de uma autarquia inoperante e, aparentemente, aprisionada por interesses de vária ordem. Esta urbanização foi um dos empreendimentos que esteve na origem de um inquérito-crime, sobre relações cruzadas entre a Câmara de Coimbra, a Académica e construtores civis.
Mas o que é que se passou com este loteamento?
1 ) A primeira deliberação sobre o loteamento “Jardins do Mondego” é de 1996 e constitui, aparentemente, “uma espécie de contrapartida pela cedência, por parte do empresário Emídio Mendes, do terreno à beira rio onde seria implantada boa parte do Parque Verde do Mondego, no âmbito do programa Polis” (JN de 16.10.2013 );
2 ) O projeto foi licenciado em 1998 (executivo de Manuel Machado) e em 2004 (executivo de Carlos Encarnação).
3 ) Nesse processo de licenciamento consta um documento em que os serviços técnicos da câmara (Departamento de Administração Urbanística da Câmara de Coimbra) alertam para o facto de, pelo menos, 1 dos lotes estar em zona verde – violando o PDM (Público, 24.12.2005 ). Apesar disso, o empreendimento foi licenciado;
4 ) Em Abril de 2005, O Diário de Coimbra informa que os oitavos pisos do loteamento eram ilegais;
5 ) Nessa altura, o vice-presidente da Câmara Municipal de Coimbra informa que os promotores do projeto haviam entregue na CMC uma proposta de alteração ao projeto, mas que, entretanto, a obra já teria sido embargada;
6 ) O facto de, durante algum tempo, apesar da denúncia pública e do pretenso embargo da obra, ter prosseguido a construção dos prédios, provocou intenso debate público;
7 ) Consequentemente, e em período de pré-campanha eleitoral para as autárquicas de 2005 (a 24 de Outubro), o Presidente da Câmara Municipal (Carlos Encarnação) ordenou a demolição dos pisos ilegais, dando um prazo de 90 dias. O despacho do Presidente sublinhava que a demolição era ordenada “sem prejuízo da continuação do estudo da proposta” apresentada pelos promotores dias após o embargo da obra. Já então, e apesar de ressalvar que não considerava justificado o aumento de sete para oito pisos, o vereador João Rebelo considerou “positiva” a proposta urbanística feita pelos promotores, de ligação do loteamento ao desenvolvimento do Plano de Pormenor do Vale da Arregaça e à 5.ª fase do Parque Verde (entre a que já está construída e a Ponte Rainha Santa Isabel);
8 ) Entretanto, o Ministério Público intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra uma ação que requeria que fosse declarada a nulidade das deliberações relativas ao licenciamento de dois lotes que ocupam terrenos que no Plano Director Municipal (PDM) estão classificados como zona verde;
9 )O empresário Emídio Mendes era o promotor daquela urbanização e José Eduardo Simões era director municipal do urbanismo (a quem cabia licenciar e fiscalizar obras particulares) e presidente da Académica. Além de ter sido construída em zona verde, a mesma urbanização chegou a ter, como já referido, um andar a mais em cada lote, que violavam PDM. O Ministério Público não avançou com uma ação, porque os andares ilegais acabaram por ser demolidos, por ordem da Câmara, que, entretanto, José Eduardo Simões abandonou;
10 ) Depois de várias decisões, o Tribunal Central Administrativo declara ilegais os lotes 1 e 18 por estarem em zona verdade protegida pelo PDM;
11 ) Em 2013, dias antes de abandonar funções, o então Presidente da Câmara de Coimbra e o Vereador do Urbanismo dão uma conferência de imprensa onde afirmam que a decisão do TCA implicaria à partida a demolição dos lotes 1 e 18. Mas Barbosa de Melo e Paulo Leitão defendiam na altura que o promotor – antes era o empresário Emídio Mendes, mas entretanto passou a ser um fundo imobiliário da Caixa Geral de Depósitos – só teria de demolir o primeiro lote, porque o 18, de estacionamento, passaria do domínio privado para o domínio público e, assim, deixaria de ser ilegal. Acrescentaram que a Câmara de Coimbra tinha deliberado entretanto sobre uma alteração do loteamento, onde já se previa que o promotor imobiliário podia construir um novo lote 1, fora da zona verde, e que o lote 18 passaria a ser “área de cedência à autarquia para parque de estacionamento do Parque Verde do Mondego” (JN, 16.10.2013);
12 ) Em 2014 é aprovada a revisão do PDM na câmara Municipal que veio a ser ratificada na atual assembleia Municipal presidida por Luís Marinho.
O processo arrasta-se desde o embargo de 2005 e estamos em Abril de 2017. O que vemos é um conjunto de esqueletos numa das zonas mais nobres da cidade, com construções ilegais (inacabadas), mal explicadas e que foram alvo de ilegalidades várias. São hoje habitadas por sem-abrigo e outros mendigos, dando da cidade um aspeto de abandono inaceitável. Mas acima de tudo mostram uma total incapacidade de resolução de problemas por parte da Câmara Municipal e uma tendência inaceitável para os deixar arrastar. Os “Jardins do Mondego” são uma boa imagem do estado do Governo da cidade de Coimbra: desinteressado da cidade e do seu futuro, deixando no ar uma obscura relação entre poderes públicos e privados. E não é de agora. Este caso já vem desde 1996.