Todos temos as nossas memórias, recordamo-nos de acontecimentos. Faces, cheiros e sons preenchem-nos os sentidos. Muitos cantaram Abril a pensar em Maio, poetas trouxeram-nos alegrias e sensações, quisemos acreditar na morte das injustiças, na sementeira de igualdades, “os que vinham atrás/vinham à frente”, a liberdade brotara, estava a crescer, abria-se o tempo de igualdade, justiça e paz. Foi Abril.
O 25 de Abril reside para sempre dentro de quem como eu viveu em tempos cinzentos, abafados, negros em que tinham sido tirados usos, fruições, dos mais elementares: recordo que nas escolas, e em algumas fábricas, as mulheres não podiam usar calças, até para usar um isqueiro era preciso licença, e três pessoas juntas constituíam uma manifestação, o pão, o emprego, a habitação, não se podia defender como direitos universais e inalienáveis, sob pena de rótulos subversivos. Havia a polícia política, a repressão. A emigração em busca de melhores condições de vida, a guerra colonial.
Muitos anos passaram sobre 25 de abril de 1974. Houve muitos governos, nasceram e morreram muitos partidos, dentro de táxis. Poucos dividiram o poder em dezenas de anos. Vimos caras perpetuadas décadas. A crise provocada por má gestão, corrupção, e tudo o que sabemos, nasceu, cresceu. Os portugueses, agora mais preparados, viram-se forçados a voltar a emigrar. De algumas coisas restam apenas os nomes, memórias difusas, porventura corrompidas, alguns poemas de Ary dos Santos, de Zeca Afonso, de Joaquim Pessoa foram rasgados muitas vezes. Mas continuo a acreditar, há soluções se voltarmos a unir-nos “como os dedos da mão”, nós, de todas as cores que a liberdade, a vontade e o trabalho convocam.