Opinião: Política “neoliberal” num governo de esquerda

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Paulo Simões Lopes

As alterações estruturais na Universidade no último século, ocorreram à mesma velocidade com que o sol foi colorindo da cor do ouro velho a pedra dos muros das nossas universidades. A sua missão manteve-se praticamente inalterada, mas a aceção do conhecimento modificou-se imenso.

Enquanto antes teria de ser transmitido na sala de aula ou no edifício escolar, hoje está virtualmente por toda a parte. Anteriormente, era perdurável no aluno por décadas ou mesmo por toda uma vida sem evoluções bruscas e agora é ubíquo e tem que estar em permanente atualização.

Até há algum tempo, um grau universitário era selo de garantia de empregabilidade e hoje já não chega para, por si só, competir no mercado de trabalho. Dantes servia a comunidade e hoje serve, essencialmente, a entidade patronal. A sociedade evoluiu a um ritmo alucinante a que as universidades responderam com o conhecimento “pluriversitário”: internacionalizaram-se, adaptaram a sua agenda educacional, passando a competir a nível global por recursos, estudantes, docentes, investigadores e técnicos.

Neste mercado globalizado, as universidades precisam de ser geridas com maior flexibilidade, eficácia e competitividade. Uma das ferramentas facilitadoras desta “nova” gestão é o respeito pela autonomia universitária consagrada na lei ou o reforço desta (como aconteceu com a UL), ou ainda, a que advém do regime fundacional.

A universidade pública de natureza fundacional nasceu com o RJIES, em 2007, com o Mariano Gago, e é, na opinião da anterior Ministra da Educação Margarida Mano, “uma entidade auto sustentada, que está no mercado em competição com as entidades privadas e por isso tem mecanismos de gestão adequados em termos de recursos humanos, de compra e venda de património, etc.”.

A universidade-fundação, mantem o caráter público, mas, com o recurso ao direito privado, fica dotada de mecanismos que agilizam a gestão dos seus processos. Um regime “hibrido”, com regras do direito público e do direito privado, com objetivos contratualizados com o Estado e supervisionados por um Conselho de Curadores, que substitui muitas das competências até aí concentradas na tutela, conciliando-se desta forma a autonomia universitária com o controlo da instituição por parte do governo.

Neste regime, a gestão deixa de estar confinada aos objetivos do orçamento e da gerência anual e passa a ser contratualizada por objetivos plurianuais (em abono da verdade, o estado não cumpriu o contratualizado e o regime tem sido o da gestão anual).

Apesar das limitações legais introduzidas em contexto de crise, a opção por este regime continua a colher interesse pelo facto de a universidade-fundação surgir como a única resposta possível à necessidade premente do reforço da autonomia universitária, que era já urgente em 2007.

Pese embora esta parecer a única solução para uma maior autonomia, em 2013, o então Secretário de Estado do Ensino Superior, João Queiró, deixou uma proposta de revisão do RJIES, mais no plano jurídico, do que de direito privado, onde definia a “Atribuição às instituições de ensino superior públicas do regime de autonomia reforçada”, num processo de intenções entre o aperfeiçoamento de uma Lei que merecia a correção de alguns erros graves intrínsecos, com o objetivo de lhe introduzir um pensamento e uma posição estratégica do Estado (da constituição) em relação às Universidades públicas.

Entretanto, não se discute a essência do problema, os partidos que suportam o atual governo ajudam a execução de ações políticas incoerentes e, pior, estão a conduzir o debate politico para dentro da academia, quando o foco desta é o da discussão cientifica e estratégica, como a de aferir se os atuais instrumentos de gestão são ou não os mais ajustados à sua atual missão?

Entretanto, nas principais artérias da nossa cidade vão aparecendo mensagens anti-fundação assinadas pelos partidos do atual arco de governação, que levantam a questão da congruência da estratégia do governo quando está a utilizar no seu programa de esquerda políticas “neoliberais”.

De outro modo, como se justifica a opção de retirar da rede de ensino público não superior o ensino contratualizado com os privados enquanto, em paralelo, incentiva as “melhores” universidades a avançarem para um regime parcialmente privado?

Se a diferença reside nas regras de gestão e não na propriedade, como aliás é assumido no Relatório de Avaliação do Regime Fundacional da UP de 2014: “indubitavelmente uma entidade pública, com direito a um financiamento do Estado calculado pelas mesmas regras fixadas na lei para o financiamento do Estado às demais instituições de ensino superior públicas”, também é certo que esta reivindica, no mesmo espaço, “o recurso ao regime privado, sem possibilidade de imposição de regras da administração pública”…

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