Opinião – O tempo das esquerdas

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Bruno Paixão

 

Imagine que ao entrar numa loja depara-se com robôs em vez de funcionários. Imagine que é incitado a adquirir um bem por aconselhamento de inteligência artificial que reconhece o seu perfil de consumo. Imagine que em vez de pagar os artigos na caixa registadora, o valor é automaticamente retirado da sua conta bancária mal põe o pé fora da loja. Mas não precisa de imaginar tanto assim, pois isto já acontece, é real e não tardará a generalizar-se.
A gigante norte-americana Amazon tem espaços em Seattle sem caixas registadoras e sem funcionários. Emprega atualmente cerca de 50 mil robôs e em apenas três anos triplicou este recurso, com impacto na redução de colaboradores. Contudo, a Amazon não é caso único. Também a tailandesa Foxconn, a maior fabricante de componentes eletrónicos e de computadores do mundo, fornecedora de potentados como a Apple, a Samsung, a Sony, a Dell, a HP ou a Microsoft, substituiu recentemente 60 mil trabalhadores por robôs.
Se pensarmos nos casos práticos com que no dia-a-dia nos confrontamos, verificamos que a generalização já está em marcha. Os serviços bancários acedidos a partir dos nossos computadores pessoais têm conduzido a milhares de despedimentos e ao encerramento de balcões. Os postos de abastecimento de combustível domesticaram-nos para sermos simultaneamente clientes e prestadores. As máquinas automáticas dos hipermercados, a troco de uma fila menor, levam-nos a fazer o papel de operador de caixa. As máquinas de vending dispensam a familiaridade do bar. Mas há muito mais, como os parques de estacionamento sem funcionários, as farmácias computorizadas, e por aí fora… Estamos perante uma veloz inevitabilidade e nada há a fazer no que diz respeito aos avanços tecnológicos.
Mas esta realidade levanta muitas questões e incertezas. Se o trabalho vai passar a ser entregue a robôs, o que farão os nossos filhos? Tomando como certo o declínio do emprego, como se pode garantir a manutenção do Estado Social? Sem trabalho e sem dinheiro, como iremos comprar bens às empresas que nos dispensaram?
Nunca um tempo nos sujeitou a uma oportunidade tão fatalmente necessária para a emergência ideológica das esquerdas como este em que vivemos. É premente e inadiável a reabilitação das correntes ditas de esquerda, colocando como eixo central da sua ação a felicidade coletiva dos indivíduos – em oposição ao instrumentalismo da economia capitalista moderna que menospreza o utilitarismo da felicidade e do maior bem-estar coletivo dos cidadãos. As esquerdas defensoras do trabalho e da dignidade social, bem como de um relacionamento conciliador com o mercado livre desenvolvido pela franja empresarial eticamente responsável, têm diante de si a possibilidade de intervenção na indisciplina selvagem que nos vai conduzindo a ruturas insanáveis e à desumanização.
Se é certo que alguns avanços tecnológicos têm sido decisivos para a humanidade e têm até gerado novos tipos de trabalho, e se é igualmente legítimo que as empresas e seus acionistas procurem o maior lucro possível, por outro lado, como alerta um grupo de investigadores da Universidade de Oxford, dentro de 30 anos 47% dos nossos empregos serão automatizados. Em concordância, de acordo com a extrapolação de uma mesa redonda sobre o futuro do trabalho realizada na Brookings Institution, metade das crianças nascidas em 2020 nunca irão trabalhar.
Os Estados têm diante de si o desafio de começar a enfrentar esta questão e não podem perder tempo na instituição de uma ética do “desempregador-pagador”, através de uma taxação diferenciada às empresas e especuladores cujos lucros engordam à custa da erradicação do emprego e sua substituição por máquinas. Isto pode até parecer pernicioso para a competitividade nacional, mas se tal não for feito, o Estado rebentará pelas costuras quando a sua fatura em subsídios de desemprego for de tal maneira elevada que tenha de os erradicar, quando tiver de admitir que não tem como nos devolver pensões e reformas, quando não puder garantir o funcionamento do SNS e entregar a privados a chave dos hospitais e centros de saúde, americanizando o sistema…
Hoje, oito pessoas têm tanto como metade da população mundial junta. Segundo os valores estimados pela Oxfam, os 1% mais ricos têm uma riqueza superior à do resto do planeta. É unânime que a desigualdade é galopante. Esta devia ser uma prioridade das esquerdas, agarrando o seu tempo e resgatando do fundo da gaveta a ideologia adormecida…

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