Também por isso nos sabemos humanos: esta habilidade de escrever riscos no tempo, muito mais do que apenas os odores com que os bichos (que também somos) desenham os metros quadrados do seu chão. Fronteiras, afinal, a linha que separa um lado do outro lado, seja nas nossas vidas, seja nesse pedaço maior a que chamamos História.
Não vai tudo da nossa vontade, já se sabe. Fazer História sem contar com Natureza vem-se revelando um jogo perigoso, neste mundo de pobrezas e abundâncias em que, umas e outras, tanto podem ser resultado de caprichos meteorológicos como de operações de obtenção do lucro todo, desde as monções de lá longe à deflorestação da África e à fome de petróleo, aqui tão perto de nós.
Seja como for, com champanhe ou apenas a olhar o céu, a maior parte da Humanidade vai estar de olho no ponteiro dos minutos as 24 vezes que na Terra for meia-noite. Alegrias herdadas, estas nossas alegrias, que são outra das qualidades dos humanos – as de dar futuro à Festa, sempre que ela signifique um sinal de encontro com o mundo e como os nossos.
Por isso é que, há muitos anos, um governante português, daqueles que trocam a Pátria pelo Programa, foi castigado nas urnas, por ter decidido que o Carnaval era um luxo. Espantemo-nos, porém, com a incapacidade de uns aprenderem com as asneiras dos outros. Já mais recentemente, outro daqueles titulares da governação em asneira decidiu rasgar umas quantas páginas das nossas celebrações, sob o pretexto de ser o tempo todo insuficiente para a criação do produto que nos faria mais ricos – e nós a ficarmos todos os dias mais pobres. Correu-lhe mal, a ele e à lusitana percentagem dos 1% da Humanidade que arrecadam os 90% dos nossos suores.
Mas permanecem aí as malfeitorias dos tais governantes e as dos seus antecessores, obreiros da transformação de um país soberano numa terra de mão estendida. E permanecem nos postos cimeiros os seus homens de mão – rostos e intenções – Macedos e Saraivas que são os sempre-em-pé da montanha-russa da nossa vida política.
Eles e os seus salários aumentados, a contrastar tanto com uma das más notícias destes dias – a de que as universidades portuguesas negam hoje salário a dezenas de seus professores, voluntários à força num tempo europeu que é o contrário da dignidade – antes o regresso à barbárie, à escravidão silenciosa em que ruidosos “empreendedorismos” de fachada desenham cenários de vergonha. Nada que possa durar para além da nossa vontade, sabemo-lo bem.
Seguremos, pois, a rolha na garrafa de espumante, metáfora do momento que antecede o da explosão das alegrias, nas meias noites que tanto podem ser de Ano Novo como de velhas madrugadas de abril. E deixemo-la soltar-se para o futuro bom em que os vindouros merecem viver. Viva o Ano Novo!
Post Scriptum: desejos especiais de Feliz Ano Novo ao coletivo que faz chegar estas palavras aos olhos de quem as lê – os trabalhadores d’ As Beiras!