Opinião: Até que o Ramal mexa de novo

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Manuel Rocha

Volto ao assunto. Quem dera não o fazer, mas os passos da escrita no órgão regional que me acolhe fazem sempre mais sentido se seguirem – ou anteciparem – os passos das pessoas que o habitam.

Haverá, claro está, quem se queixe do “disco riscado” deste lamento, como quem seleciona preocupações como se fossem alinhamento de telejornal, uma desgraça roubando a atenção da anterior. Mas mesmo eu, na minha ateia compreensão, seria capaz de jurar que o Criador não há de ter feito o pescoço para que as caras se virassem à vista do que não é bonito, nem justo, nem compreensível. Por isso volto ao assunto.

E será de voltar ao assunto com a mesma frequência com que o Comboio da Lousã falta nos apeadeiros a quem precisava dele – todos os dias e a todas as horas, porque nunca é demais. E porque o pensar-se com justiça é como a cadência dos comboios – só cria hábito quando é regular. Não se trata já de saber quem mandou fazer o malfeito, estorvadores de vidas de bem com a sua consciência (por ser coisa que não têm). Trata-se de resolver.

Sou dos que defende que a melhor solução para o Ramal da Lousã é aquela que foi pensada há mais de 100 anos – carris de ferrovia – acompanhada de mais moderna proposta: eletrificar a linha. Tudo menos aquele enredo de ficção que culminou com o encerramento do Ramal em 4 de janeiro de 2010 (como o tempo passa!), iniciado uma década antes com a fundação da Sociedade Metro Mondego, inventora das modernices com que os utentes de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã recuaram ao tempo em que a mobilidade era um luxo demorado.

Tem-se lutado pelo Ramal. Tanto, que no ano passado foi possível aprovar, na Assembleia da República, uma resolução apresentada pelo PCP a favor da “extinção da Metro Mondego e devolução do seu património ao domínio público ferroviário e ao domínio municipal”. Uma tal aprovação significa muito caminho andado, as abstenções do BE, do PS, do PSD e do CDS a dar sinal de que a paragem do Ramal retirou finalmente sentido aos entusiásticos discursos da “modernidade” viária.

Uma outra resolução, a favor da “reposição, modernização e eletrificação da linha do Ramal da Lousã” revela ainda maior andamento, tendo merecido a aprovação de todos os deputados, menos os do PS, que se abstiveram.

Andava Fernando Pessoa a verter poéticas sentenças de querer Deus, sonhar o Homem e nascer a Obra, sem talvez imaginar que os sonhos de compatriotas seus haviam de ser destruidores de obras e das vidas mesmo (e tantos sonhos também) dos seus semelhantes. No meio de tanta inquietação, dizia há tempos um governante que “o meio ferroviário é uma prioridade do governo e um dos melhores instrumentos de ligação de regiões”. Não há como não concordar, mas de boas intenções estão as infernais prateleiras entupidas.

Há que não desistir do assunto, e lutar pelo regresso do Ramal.

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