Opinião – “Só se empresta um cabrito… a quem tem um boi”

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Mário Frota

 

Os angolanos, ancorados na sua sabedoria milenar, transmitiam às gerações vindouras algo de elementar: “Só se empresta um cabrito a quem tem um boi”.
As instituições de crédito dos países desenvolvidos, no último decénio do século transacto, perderam literalmente a cabeça. E passaram a agir sem qualquer prudência. A emprestar, em suma, um boi a quem não vislumbraria sequer a hipótese de vir a ter um cabrito…
Um diário de referência dizia, há escassos meses, o que segue: “… Actualmente, os bancos não são responsabilizados por concederem crédito excessivo face ao perfil dos clientes. Os bancos vão ter regras mais apertadas na comercialização de produtos e serviços bancários, entre as quais está “a obrigação de avaliação da solvabilidade [capacidade de pagamento] dos clientes”, revela o Banco de Portugal (BdP) no Relatório de Supervisão Comportamental, relativo a 2015. Estas novas regras, a introduzir ainda este ano e no próximo, no âmbito de directivas comunitárias, ainda serão objecto de regulamentação por parte do supervisor e pretendem prevenir “o endividamento insustentável”.
Actualmente, através da Central de Responsabilidades de Crédito, as instituições financeiras já têm acesso ao total de compromissos de crédito assumidos por cada cliente, mas não são responsabilizadas no caso de concessão de crédito excessivo face ao perfil do cliente.
Em caso de falta de pagamento dos empréstimos, as instituições avançam com acções executivas, com penhora de bens, salários, ou contas bancárias, ou contratam empresas de cobrança de dívidas, que muitas vezes usam técnicas agressivas nessa recuperação.…”
Mas sem razão!
A Lei do Crédito ao Consumidor de 2 de Junho de 2009, na esteira de uma Directiva do Parlamento Europeu de 23 de Abril de 2008, estabelece já de forma imperativa esse poder-dever das instituições de crédito e das sociedades financeiras (art.º 10.º):
Dever de avaliar a solvabilidade do consumidor
1 – Antes da celebração do contrato de crédito, o credor deve avaliar a solvabilidade do consumidor, quer através da verificação das informações por este prestadas, quer através da consulta obrigatória à Central de Responsabilidades de Crédito…
2 – O credor pode, complementarmente, proceder à avaliação prevista no número anterior através da consulta da lista pública de execuções… ou de outras bases de dados consideradas úteis para a avaliação da solvabilidade dos consumidores.
E estabelece uma grelha de sanções para as instituições que não cumpram tais deveres de cuidado: a coima poderá ir até 1 500 000€. Há, por conseguinte, lei e há sanções previstas em caso de incumprimento pelas instituições de que aqui se cura.
Ponto diferente é saber se a lei está a ser cumprida. Se não estaremos agora, ante o ressurgimento do crédito, de novo perante um quadro de concessão selvagem de empréstimos com as gravosas consequências daí emergentes.
Cabe ao BdP não deixar o seu “crédito” por mãos alheias, como sucedeu amargamente durante o governo de Constâncio!
Para que não venhamos a pagar todos por tão reprovável negligência.

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