Opinião: É salário, é pão

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Manuel Rocha

“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, dizem, e é da vida mesma que estão a falar. E dizem “nos dai” escusada reverência, sabido que é que, aos simples, ninguém dá aquilo que não seja conquista.

São rosas, Senhor – lembram-se? – disse Isabel escapando ao castigo por dar pão aos precisados, em fraquezas de rainha a deixar que a juvenil bondade lhe toldasse os deveres de mostrar quem manda. Séculos mais tarde, imagino que muito há de ter tremido a letra aos governantes a quem calhou botar assinatura no Decreto nº 217/74, de 27 de Maio – com que o 25 de Abril instituiu o salário mínimo nacional – a Civilização a empurrar o rabisco que obrigou a que se pagasse três contos e trezentos àqueles que nunca tinham tido direito à retribuição do seu trabalho.

Tantos anos depois, poucos meses depois das discussões acerca de quantos milhões seriam suficientes para remunerar os iluminados da administração da CGD, considerou-se que 600 euros é paga demasiada para quem dos seus braços tira, dia após dia, o pão seu e o dos seus filhos, e ainda o resort, o Armani e os ricos jantares “solidários” com que os Lopes, os Saraivas e os Farias de Oliveira pagam a cozinha económica dos pobres.

Não admira, por isso, que cerca de um terço dos humanos em situação de pobreza sejam trabalhadores, os tais que, como bem disse a deputada Rita Rato, “todos os dias se levantam para ir trabalhar mas aquilo que levam para casa ao fim do mês não chega para as despesas básicas”.

São 631 mil os trabalhadores portugueses que sobrevivem com 470 euros líquidos ( 530 euros ilíquidos). Diga-me, leitor, se acha que chega. São vítimas de contas inquinadas, daquelas de que até a prova dos nove se quer escapar, porque o nada que dão no fim não chega para o pão que deveriam permitir.

Há muito que precisamos de outras contas. Por exemplo as que juntassem os valores da inflação e os do aumento da produtividade – e que somariam 900 euro mensais, justo valor do salário mínimo, o único capital que é garantidamente investido no país que o gerou.

E as empresas? – choram os comentadores do costume. Nas empresas, o que pesa é a energia, os combustíveis, as telecomunicações, o crédito e os seguros, aquilo de que o Estado se desfez nos dias em que pôs as fichas todas no mesmo lado. Já o peso dos salários – 18% dos custos empresariais – logo se transforma em circulação de riqueza, pois quem pouco tem pouco estraga.

Salário é dignidade, aquele lado de nós que (também) é direito humano. E quando nasceu para ser mínimo foi para que a dignidade fosse máxima. Ora se há tanto dinheiro espalhado pelo mundo, sejamos então capazes de ir buscá-lo aonde sobra.

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