Ao recordarmos os mortos, reencontramo-nos com aquilo que vivemos em comum: bons e maus momentos e também momentos de paz e alegria simples, feita de um viver sem adjetivos nem grande substância. Contudo, e infelizmente, são os maus momentos que recordamos mais. Mas, amanhã, dia de Todos os Santos e também depois de amanhã dia dos Fiéis Defuntos e logo a seguir teremos dias em que, como se recordava num Almanaque de Lembranças: “Falhou a tentativa: seguiu-se uma devassa, e nessa devassa achou-se implicado o moço José Feliciano de Castilho, já culpado de liberal no juízo da Conservatória de Coimbra.”
E então como sempre venceram as ideias de progresso e foram vencidas com dor, de ambos os lados, as forças absolutistas que significavam atraso. Acontece agora na ciência e na arte onde os inimigos estão por vezes ao nosso lado, sempre predispostos a vencer-nos
Recordaremos também por isso as lutas pela Liberdade e pela Verdade Científica, como emancipação de cada um de nós das mentiras e censuras, que fomos ouvindo e nos lograram, impedindo-nos por vezes com violência de nos realizarmos. Recordaremos ainda com amargura as perseguições que pelos mais variados motivos nos foram movidas. Recordaremos com gratidão todos os que nos abriram janelas quando outros nos fechavam portas, deixando-nos abandonados.
De muitos deles nem sequer recordaremos os nomes. Outros têm os nomes gravados na nossa memória e para eles, sendo até nossos familiares ou não, se dirige a nossa memória, relembrando aquilo em que foram amparo para cada de um de nós. Recordaremos então também os nossos pais que sempre acreditaram em nós.
Agora que já muitos anos passaram, já não sentimos a dor, mas como disse um dia o físico Max Planck as nossas ideias só vencem quando os seus inimigos já morreram. E sabemos como a luta científica, por vezes mais que a luta política é feita de sangue, suor e algumas lágrimas. E há assim sempre muitas derrotas em que o importante é salvar a vida e a esperança. De facto, como em tudo na vida, só perde a batalha e a guerra quem deixou de acreditar nas suas forças. E felizmente, há muitos jovens que acreditam que as suas ideias vencerão um dia as teorias falsas que a geração precedente foi construindo.
Muitos outros de diversas e variadas gerações continuam a lutar contra os retrocessos, que alguns nos querem impor e contra estes há só que refazer raciocínios para os tornar mais consentâneos com a luta persistente e duríssima por um mundo melhor. E, por isso, quando chegamos a um oásis em que descansamos, sentimos alívio e a sensação suavizante de que cumprimos o nosso dever. Esperemos que o mesmo sintam os mortos que honramos hoje, amanhã e depois.